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A lógica da batata

2010-08-18

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O seu papel foi esquecido.

Frita com bifes, cozida com bacalhau, assada a murro ou em puré são apenas escassas formas de cozinhar aquela que se impôs à nossa mesa como um dos mais indispensáveis ingredientes, a batata.

No entanto e contrariamente à maior parte dos produtos que hoje integram a dieta portuguesa, a batata só chegou ao país a partir da segunda metade do século XVIII. Dessa época não se conhece qualquer manual agrícola que lhe faça referência.

Fixou-se inicialmente no nordeste transmontano, espalhando-se depois paulatinamente pelo resto do país.

Foi com grande dificuldade que a batata chegou à mesa das classes média e alta, Camilo Castelo Branco, decorrido quase um século da sua introdução em Portugal, refere-se a ela em termos pouco abonatórios "ensopada com bacalhau é apenas sofrível". Porém para as classes desfavorecidas tornou-se um bom meio de resolver os problemas de subsistência. O mesmo acontecera em França onde no entanto o caminho foi inverso. Parmantier esteve em risco de pagar com a vida a teimosia em preconizar o preciso tubérculo, valera-lhe a perspicácia de Luís XVI que incentivando o consumo na corte tinha a certeza de que este se enraizaria no país matando a fome aos mais desfavorecidos.

A partir de 1831 importou-se batata do estrangeiro, a uma média anual de 23.500 alqueires, o cenário depressa se inverteu e na década seguinte passamos de importadores a exportadores. Entre 1848 e 1855 saíram do país 349.000 alqueires de batata o que gerou um rendimento de 67 contos de réis.

Em 1852 já se produzia batata em todos os distritos, ascendendo a produção nacional a mais de 10 milhões de alqueires. Nessa altura, segundo Morais Soares, o rendimento por ha era de 103$300 réis enquanto 1ha de trigo rendia somente 72$50 réis.

As produções eram no entanto muito baixas quando comparadas com as dos nossos dias. Para o facto contribuía a ausência de adubos, que só se começam a vulgarizar depois de 1870, e a inexistência de batata da semente.

Ao inverso do que se passa com outras sementes, os tubérculos da batata têm tendência a perder qualidade colheita após colheita. Este facto obrigava os agricultores, passados 4 ou 5 anos, a procurarem batata noutros locais para plantarem nas suas terras. Só a partir do início do século XX é que surge à venda, em escassos locais, batata da semente estrangeira. As variedades de então, Magnum Bonum, Kidney, Bordalesa, Saucisse são hoje completamente desconhecidas.

A batata chegou à nossa região da Cova da Beira, nas primeiras décadas do século XIX, mas só na segunda metade desse século e inícios do seguinte é que adquire maior importância, tornando-se uma cultura de regadio e ocupando os melhores solos.

A fertilização, inicialmente apenas com recurso a estrumes animais e cinza proveniente sobretudo dos tintos da Covilhã, passa, após a 1ª guerra mundial, a utilizar adubos. O superphosphato de cal era nessa altura aplicado na cultura usando-se para o efeito uma colher de sopa que se distribuía entre cada dois tubérculos.

Para resolver os problemas com a semente assistiu-se a algumas experiências deveras interessantes por parte dos agricultores locais.

Em 1917 o sindicato agrícola da Covilhã, criado em 1911, organiza uma exposição agrícola regional onde são galardoados os melhores produtores. Francisco Telles Andrade Ratto, do Teixoso, ganha a taça de honra. Dos produtos apresentados por este agricultor sobressaiam entre outros, uma pêra Andrade proveniente de uma planta seleccionada pelo produtor e batatas obtidas a partir da semente da baga da batateira, segundo técnica por ele desenvolvida. No ano seguinte Francisco Ratto arrecadou uma vez mais o primeiro prémio.

De igual forma, também os agricultores procuravam noutras regiões batatas destinadas à semente. Preferiam as de zonas mais frias e de maior altitude, nomeadamente as produzidas na Guarda.

Em 1903, 15Kg de batata custavam, na Covilhã, 195 réis, um preço intermédio no panorama nacional, na mesma data o valor mais elevado era praticado em Penafiel onde os mesmos 15Kg custavam 600 réis. Para que se tenha ideia mais clara destes valores convêm referir que, na mesma data, um trabalhador não especializado ganhava em média 300 réis por dia, uma dúzia de ovos rondava os 120 réis, uma galinha 500 réis, 20 litros de feijão 1.620 réis, 20 litros de centeio custavam 616 réis e os 20 litros de azeite valiam 4.000 réis.

Recorde-se que nessa data a batata já conquistara o seu lugar na cozinha nacional e muitos jornais divulgavam receitas, da mais elaborada cozinha, com este produto. Em 18 de Janeiro de 1903, Sophia de Sousa publicava na Gazeta das Aldeias a receita de batatas au gratin, uma espécie de empadão com queijo gruyére ralado.

Na década de 1930, a Covilhã possuía já um mercado específico para a venda de batata que funcionava em frente à estação dos correios que mais tarde seria o posto da PSP.

Hoje na mais pequena mercearia ou no maior hipermercado encontramos ao nosso dispor os mais variados tipos de batata. Pela banalidade de que esta se reveste actualmente, ficou esquecido o seu importante papel na melhoria das condições de vida operada a partir do século XIX, os contributos e as dificuldades dos seus primeiros produtores.

Com a chegada do Verão chega também a época da arranca da batata. Ainda hoje não existe agricultor que se preze que não produza batata. Os ranchos de homens que arrancavam as batatas ao ritmo cadenciado das enxadas e as melodias entoadas pelas mulheres que as apanhavam são já uma raridade, perdura no entanto a efusiva alegria de ver os sacos cheios de saborosos tubérculos, resquícios da magia dum mundo rural que inevitavelmente desaparecerá.



Autor
carlos madaleno

Categoria
Opinião

Palavras-Chave
batata / réis / batatas / século / Frita / Covilhã / semente / país / entanto / chegou

Entidades
Frita / Camilo Castelo Branco / Parmantier / Luís XVI / Morais Soares

Artigo Preservado pelo Arquivo.pt
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