Solidariedade é como o Natal: é quando o homem quer. Ou seja, todos os dias. Pelo menos deveria ser.
Estamos no Natal e, confesso, já gostei mais desta quadra. É uma altura em que me irrita, (e perdoem-me a sinceridade, porque o trabalho de muitos é válido) entrar no supermercado e pedirem-se para isto e para aquilo; ir ao café e haver gente a vender rifas para isto e acolá; andar na rua e alguém com um crachá qualquer pedir uma ajuda para a instituição A e Y; pedirem na escola da minha filha uma ajuda para mais estes e mais aqueles; uma incessante actividade, por estes dias, que, ao fim de meia dúzia de dias nos leva a desabafar: "Eh pá, desculpe lá, mas não dou mais nada, porque também preciso de viver". Multiplicam-se as iniciativas, um pouco por todo o lado, e até aqui, quando toca a divulgar, já nem sabemos bem o que já "entrou" ou não nas páginas do jornal. Não retiro o mérito e a boa intenção de quem faz, mas às vezes fartamo-nos. Como é o meu caso.
Ao contrário do que possa pensar ao ler estas palavras, não sou (muito pelo contrário) contra as acções de solidariedade que, um pouco por toda a parte, vão surgindo na região, através de autarquias, instituições, comunicação social, escolas, enfim. Sou, é para já, contra o facto de muitos se aproveitarem desta época para, qual político, aparecerem em tudo quanto é evento que possa dar algum mediatismo. E sou contra o facto de grande parte dos portugueses se lembrarem que são solidários apenas agora. E no resto do ano?
Mais: o princípio de solidariedade deveria ser preocupação do Estado e do Governo logo à nascença. Porém, o que vemos, em termos sociais, mostra bem que nada disto é verdade e, qual austeridade que ainda agora nos "martelou", quem foram os mais prejudicados? A classe média, que ganha ordenados que chegando aos mil e 500 euros têm que perder um bocado desse rendimento, mas mantendo o dinheiro suficiente para pagar as casas, os carros, a educação dos filhos, a saúde… ah, e agora também as portagens. Quem muito ganha, nada lhe acontece. E aquilo que é retirado nunca é tão significativo para o orçamento como para as ditas famílias de classe média. Ou seja, a solidariedade é uma treta. Pelo menos, para quem manda nesta terra à beira mar plantada….
Solidariedade é como Natal: é quando o homem quer. Ou seja, todos os dias. Pelo menos deveria ser. E muitas vezes, o que vemos no nosso quotidiano é uma total ausência desse sentimento. Não há "flashs"….
Conto-vos uma história. Ainda há dias fiquei feito parvo a olhar para a atitude de um senhor taxista da nossa praça. E sem o conhecer de lado nenhum apeteceu-me insultá-lo. Contive-me, porque sou bem-educado. Mas aquele episódio ficou a matutar-me na cabeça até escrever estas linhas. O senhor, que ganha a vida a transportar pessoas, foi chamado a um café/restaurante pelo empregado do mesmo para levar uma senhora, já com alguma idade, para a sua terra, em meio rural. Ao chegar à porta, sem lugar para estacionar, abriu os quatro piscas e, à porta, já o empregado do café o esperava com a dita senhora. Pegou-lhe num braço para a ajudar a caminhar até ao carro. Mas ela, com dificuldades de mobilidade, andava muito devagar. Então, passados 20 segundos, já estava a refilar com a senhora: "Despache-se, não vê que estou mal estacionado?" dizia, ao que a senhora respondia: "não consigo andar mais depressa". Na estrada, um condutor que queria passar e não podia, devido ao facto de ter à sua frente o referido táxi, começa a enfadar-se e a "mandar vir". O taxista lá ia apressando a senhora, que desceu o passeio e chegou à viatura. Com evidentes dificuldades motoras, sentiu complicações para alçar a perna para dentro do carro. Muito mal-encarado, o taxista disse: "Veja lá se ainda é preciso pegar-lhe nas pernas." A senhora, quase de certeza, até agradecia. Mas não pediu nada tal a simpatia do dito cujo. E conseguiu montar-se na viatura. Em toda esta história não passaram mais de três minutos. Moral: em tão pouco tempo, haveria razão para que a pobre senhora, que não estará assim por vontade própria, ter apanhado com um taxista mal-humorado e rezingão, a quem até pagou o frete, com um condutor impaciente e com toda esta falta de compreensão? É claro que não. E ser solidário é também isso: ser compreensivo, afectuoso, calmo, simpático e, sobretudo, colocarmo-nos no lugar do outro. Daquele que não consegue ver, ouvir, andar, que não tem roupa, que não tem casa, que não tem comida, que não tem amor. E isso, podemos fazer o ano todo. Feliz Natal a todos.
Autor
João Alves
Categoria
Opinião
Palavras-Chave
senhora / Solidariedade / Natal / taxista / facto / seja / deveria / ganha / café / andar
Entidades
matutar-me / Estado / Governo / Solidariedade / Feliz Natal
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