Emigrantes regressam a casa e deixam aldeias mais vazias.
As ruas começam a ficar mais despidas, os cafés com menos gente nas mesas a jogar à sueca e muitas das casas agora de janelas abertas fecham-se para só voltarem a ser abertas no Natal ou no próximo Verão. Os últimos dias têm sido marcados pela despedida. De mais duas famílias que acabam há minutos de partir para a Alemanha, de quem trabalha noutros pontos do País e terminou o período de férias, dos que estudam fora e se preparam para voltar aos livros e abandonar as margens da Barragem de Santa Luzia, local de eleição nas tardes de Verão.
São Jorge da Beira, aldeia no extremo do concelho da Covilhã, voltou à rotina. Não é uma localidade deserta, como acontece com muitas quando os emigrantes vão embora, mas o fim das férias tira-lhe grande parte da vitalidade.
A emigração, ao longo dos anos, foi-lhe sugando energia. Quando a mina fechou a última vez, grande parte dos que resistiam foram obrigados a tentar a sorte noutras paragens. E se na década de 60 o marido se fazia à estrada e deixava a família na terra, nos anos 90 a localidade mineira via ir embora também a esposa, os filhos, os irmãos, os conhecidos, à medida que o aviso de uma janela de oportunidade chegava.
"O que nos sustentava eram as minas, era lá que tudo trabalhava. Quando fecharam obrigaram a gente a emigrar. Quem podia ir embora, foi", recorda Maria Piedade Campos, de 57 anos, ao balcão da pequena mercearia da aldeia.
Quem ficou tem na distância às sedes de concelho o principal obstáculo. É difícil captar investimento, é complicado trabalhar fora e regressar todos os dias a casa, quando a viagem para a Covilhã ou Fundão demora cerca de uma hora, se for em transporte próprio, porque de autocarro a volta é grande até chegar ao destino.
"Para segurar a malta nova falta emprego"
Maria Piedade Campos está resignada. Os irmãos estão na Alemanha, na Escócia, na África do Sul. Os dois filhos tiraram os cursos e já não voltaram, excepto para visitar a família e os amigos. A manutenção da escola merece o seu aplauso, até porque se lembra de quando a filha foi estudar para o Paul e depois para a Covilhã. "Vomitava todos os dias a ir para a escola, só eu sei como ela chegava a casa, e depois ainda tinha de ir fazer os deveres". Ainda assim, sabe que o estabelecimento de ensino da aldeia tem os dias contados. "Antes cada casa tinha nove ou dez filhos, era uma miséria. Este ano nasceram cá não sei se um ou dois bebés. Não têm vagar para os fazer, põe-se a ver televisão", comenta, com uma gargalhada.
Para além das minas, longe do movimento de outros tempos, mas que continua a ser a principal empregadora, não sobram muitos postos de trabalho. As várias estruturas de que a freguesia dispõe são a alternativa. No lar ou nos equipamentos da junta. A construção civil absorve os restantes postos de trabalho, insuficientes para toda a gente.
Quem é da terra realça as qualidades do sítio onde nasceu e o desejo de ali poder permanecer mais tempo, mas a distância em relação a bens e serviços é apontada como a principal contrariedade, apesar do hábito de se estar longe de quase tudo.
Paulo Albino, de 32 anos, também foi emigrante. Saiu de São Jorge da Beira aos oito anos, com os pais, rumo à Suíça. Voltou aos 25, para se libertar de vícios. "Numa aldeia estamos longe de tudo, as tentações são menores". Sempre veio de férias e é aqui que se sente em casa, onde se sente bem, apesar de não ter tudo a que estava habituado antes. "Mesmo assim temos muita coisa. Há quatro cafés onde conviver e passar o tempo, há o lar, a extensão de saúde, temos multibanco, a filarmónica", enumera. "Para segurar a malta nova o que faz mais falta é emprego, a mina ainda segura aí alguns jovens", acrescenta Paulo, neste momento a colaborar com a junta de freguesia.
Jovens mineiros
Gonçalo Figueiredo, de 21 anos, é um desses trabalhadores da nova geração na mina. Está-lhe no código genético, como acontece com praticamente todas as famílias da terra. Já o pai, o avô, tios e outros elementos da família foram mineiros. "Não era o trabalho que desejava, mas gosto de lá estar", confessa. Da sua idade, repara, são poucos os que estão a residir na localidade. Os estudos forçaram-nos a ir para fora e só regressam nas férias ou de vez em quando ao fim-de-semana. "Aqui não há oportunidades nenhumas. Gosto de cá morar, não trocava isto por nada, mas se não tivesse emprego na mina tinha ido também embora".
O ambiente da aldeia é elogiado, só que por vezes diz sentir falta daquilo a que os quase 50 quilómetros para a Covilhã e os cerca de 40 para o Fundão o separam. "Nós passamos cá bem o tempo e nem precisamos de sair para nos divertirmos, mas se queremos ir ao cinema, é longe, a discoteca mais próxima é em Silvares, também não é perto".
Outro jovem mineiro, à semelhança do pai e do avô, é Mário Batista, de 27 anos. "Se não for naquela empresa, trabalho fora da mina só na construção civil". Mário tem observado uma "nova emigração" e diz que isso o preocupa, embora compreenda. "São pessoas com baixa escolaridade, que têm baixas expectativas e vêem na emigração a oportunidade de ter uma vida que em Portugal não podem ter", sublinha. "Para as pessoas não irem embora faltam mais oportunidades de trabalho, falta captação de investimento que não obrigue as pessoas a emigrar", defende.
Maior problema é a "distância e as acessibilidades"
Fausto Batista, presidente da Junta de Freguesia de São Jorge da Beira, concorda com a necessidade de investimento na localidade, que no entanto não se tem revelado fácil. "Lancei o desafio de serem apresentados projectos para a instalação de microempresas, que seriam apoiadas. Não apareceu nenhuma proposta", lembra o autarca, para quem o maior problema para a freguesia e para a captação de investimento privado são "a distância e as acessibilidades".
"Quem mora cá, para ir trabalhar para qualquer lado, tem de ir uma hora antes", constata Fausto Bastista, que contrasta essa dificuldade de atrair empresários com os melhoramentos que têm sido feitos na antiga Cebola, nome de São Jorge da Beira até há 50 anos, quando a população, desconfortável com a designação, decidiu substituí-la pelo nome do padroeiro.
O turismo é uma janela de esperança. E se algum poder económico levou no passado os residentes a taparem o xisto de grande parte das casas, numa demonstração pública de que tinham melhorado as condições de vida, isso acaba no presente por dificultar o desenvolvimento de projectos relacionados com as Aldeias do Xisto.
A aposta no turismo continua a estar no horizonte, mas associado às minas. A intenção é recuperar 200 a 300 metros da entrada do túnel, já desactivado, na anexa Panasqueira, onde há três entradas para a mina, para que quem visite o local possa perceber como é o subsolo e o que é trabalhar lá. Primeiro falta tratar dos aspectos legais da cedência das casas, que a Beralt cedeu às famílias que lá moravam, embora as escrituras nunca tenham sido feitas. A segunda fase passa por garantir o financiamento para concretizar a ideia. "O aproveitamento do turismo poderá dar alguma dinâmica à freguesia", acredita Fausto Batista.
(Reportagem completa na edição papel)
Autor
Ana Ribeiro Rodrigues
Palavras-Chave
abertas / mina / aldeia / casa / Natal / Covilhã / Verão / Jorge / Beira / freguesia
Entidades
Maria Piedade Campos / Paulo Albino / Paulo / Gonçalo Figueiredo / Mário Batista
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Emigrantes regressam ao estrangeiro, após férias, mas não querem viver em Portugal...
Já começaram a chegar e até ao final de Agosto dão uma agitação diferente a muitas aldeias. Os filho...