As carências são muitas, algumas vividas por pessoas que até há pouco tempo viviam uma vida desafogada e agora não têm sequer possibilidades para se alimentarem.
Minutos antes da porta abrir, às 13h, já se aglomeram à entrada da Mutualista. Quando entram no refeitório, em silêncio, a mesa está posta e os dois pratos servidos em cima da mesa. É também sem troca de palavras que almoçam, avidamente, naquela que para muitos é a única refeição quente do dia.
Tem sido assim desde Fevereiro do ano passado, quando a Associação de Socorros Mútuos da Covilhã decidiu oferecer refeições solidárias a pessoas carenciadas. Diariamente são servidas cerca de 20 e o número tem vindo a crescer.
São várias as faixas etárias que recorrem a este serviço gratuito da Mutualista, mas na maioria dos casos trata-se de pessoas de média idade. Uns que já se habituaram a lidar com muitas contrariedades e problemas vários ao longo de uma vida de dificuldades, outros surpreendidos com a actual situação, em que nunca imaginaram cair.
Confiante de que "melhores dias virão", Jorge, 45 anos, recorre há um ano aos almoços oferecidos pela Mutualista, junto ao Calvário, onde chegou encaminhado pela Conferência de São Paulo.
Antigo operário dos lanifícios, viu-se no desemprego, sem conseguir encontrar trabalho, conta. Quando o subsídio terminou as dificuldades para garantir a subsistência aumentaram. A viver sozinho e com um filho emigrado, é o pai quem lhe paga a renda da casa. Neste momento o único rendimento é ocasional, quando consegue encontrar um biscate "Sempre trabalhei nos lanifícios e na construção civil, só que agora está tudo parado, não tem aparecido nada", lamenta.
O jantar é feito com alguma mercearia e conservas que lhe dão ou que compra quando pode e não se pode dizer que tenha passado bem. Daí a necessidade de recorrer a esta ajuda. "Sempre é uma refeição fora do vulgar que a gente come", refere, depois de ter almoçado uma canja de galinha, arroz de pato e dióspiros. "Não é para a fotografia, é a ementa programada uma semana antes", frisa um director da Associação de Socorros Mútuos, para atestar o cuidado nas refeições
"Acho que é um gesto de solidariedade para com pessoas que, como eu, estão no desemprego, e é muita gente", comenta Jorge. "Nunca pensei chegar a este ponto, mas então! A vida levou-me para isto. O que quero mesmo é arranjar um emprego, porque não vamos andar aqui a vida toda, não é?".
"Não tenho como pagar uma refeição"
José Manuel tem 44 anos e uma vida de alguns excessos que, reconhece, o prejudicaram. Agora conta com indisfarçável regozijo que está há 33 meses sem consumir álcool, mas o quotidiano do antigo operador de máquinas, numa empresa de lanifícios, não melhorou, porque a uns problemas sucederam-se outros.
Frequentou um curso que lhe deu equivalência ao nono ano, só que as oportunidades não surgem. "Tenho procurado trabalho, fica lá o nome, mas não há maneiras de me chamarem. Vejo-me obrigado a vir aqui", diz José Manuel, rosto magro e olhos fixos no chão.
Os almoços a que tem agora acesso, gratuitamente, vieram melhorar um pouco o seu quotidiano. "Não tenho como pagar uma refeição", salienta. Na Associação, onde entra após os utentes da instituição saírem do refeitório, sente-se bem tratado. "Gosto de cá vir". Enquanto o puder fazer, esta continuará a ser uma ajuda a que vai recorrer enquanto não tiver quaisquer meios de subsistência.
Nos últimos tempos tem vivido com o dinheiro ganho em 15 dias a trabalhar na construção civil e entregou o pedido para o Rendimento Mínimo de Inserção, ao qual ainda não obteve resposta.
Apesar de muitas das histórias de quem procura as refeições solidárias terem pontos em comum, nada parece ser motivo para troca de impressões e o almoço é feito em silêncio total e rapidamente. Nas duas mesas hoje ocupadas, ou a fome ou a falta de vontade travam o convívio. O objectivo é poder comer um almoço completo, graciosamente, do qual cada um vai saindo à medida que termina e segue o seu caminho.
"Com esta refeição quente já me aguento no resto do dia"
Tal como a maioria das pessoas que procuram o refeitório da Mutualista, esta é a única refeição diária quente que José Carlos, 44 anos, faz. "Com esta refeição quente já me aguento no resto do dia", frisa. O jantar, normalmente, é uma sandes.
"Durante uma temporada" recorreu a estes almoços, depois de um director lhe ter falado na existência desse serviço. Quando retomou a ocupação a tempo parcial para que sazonalmente é solicitado no ramo hoteleiro, deixou de aparecer, mas acabou por voltar. "Eu trabalho, mas mesmo assim não tenho possibilidades de equilibrar a minha vida", lastima José Carlos. "Poder vir aqui almoçar ajuda muito", salienta, antes de se juntar aos companheiros de mesa, que nesta altura já terminaram a canja de galinha.
Vestido com um blazer, destaca-se pela pose dos restantes utilizadores do serviço. Já depois de se sentar volta atrás para referir que ficou surpreendido quando começou ali a comer. "Tinha a ideia de que a comida dos lares não tinha qualidade e fiquei admirado ao perceber que é óptima".
Com os 180 euros que tem para gerir durante o mês e a tomar medicação, garante não ter condições para abdicar das refeições gratuitas que lhe são servidas, ali muito perto de casa. "Neste momento necessito realmente deste serviço, preciso desta ajuda", acentua José Carlos, "não me estou a aproveitar disto", vinca.
(Reportagem completa na edição papel)
Autor
Ana Ribeiro Rodrigues
Palavras-Chave
refeição / Mutualista / José / vida / pessoas / Minutos / quente / lhe / única / Associação
Entidades
Jorge / José Manuel / José Carlos / Mutualista / Associação de Socorros Mútuos da Covilhã
Artigo Preservado pelo Arquivo.pt
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