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A República e o mundo laboral

2010-10-06

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No ano subsequente ao triunfo da causa republicana, registam-se mais de quarenta greves por todo o País.

A República, proclamada em Portugal em 5 de Outubro de 1910, completa agora 100 anos de vida. Deixamos aqui breves notas sobre esse relevante facto histórico, em obediência às convenções sociais que mandam assinalar os centenários de pessoas e instituições.

O novo regime suscitou enormes expectativas. Foi um daqueles raros momentos na vida dos colectiva em que se acredita que o futuro é já hoje e que está ao nosso alcance, ao virar da esquina, a concretização das nossas mais legítimas aspirações.. Os vários sectores da população convenceram-se de que, finalmente, os seus problemas iam ser resolvidos e que os seus direitos iam, finalmente, ser tidos em conta.

Na primeira década do Século XX, Portugal enfrentava enormes problemas sociais: baixos salários, carestia dos géneros, 74 por cento de analfabetismo, forte emigração.. Tal situação gerou um descontentamento generalizado, que os partidários da República souberam capitalizar a favor da sua causa. Mas o novo regime não dispunha, como é óbvio, de uma varinha mágica capaz de, no dia seguinte, satisfazer todas as reivindicações..

Um sector que muito rapidamente se desencantou da nova situação foi o mundo laboral. Isto porque as suas dificuldades persistiam e o nível de vida do operariado não melhorou na medida das expectativas geradas pela Revolução.

Compreender-se-á melhor tal desencanto se for tida em conta a contribuição das organizações operárias para o eclodir da nova situação política. De facto, as forças sindicais tinham colaborado, muito activamente, no movimento político empenhado na fundação da República; ora, como é compreensível, a falta de resposta do novo regime para solucionar os problemas das classes trabalhadoras, gerou ondas de descontentamento popular, que se estenderam a todo o País e a praticamente todos os sectores profissionais, da indústria aos transportes, do comércio ao mundo rural.

Ainda em 1910, a República pôs em vigor dois diplomas do maior interesse para as classes trabalhadoras - a Lei do Descanso Semanal e a Lei da Greve. A Lei da Greve viria, no entanto, a ser extremamente contestada pelos seus destinatários, porque previa também a permissão do lock-out, que é o reverso da greve, permitindo às entidades patronais o fecho das empresas em caso de conflito insanável com os seus trabalhadores.

A Lei do Descanso Semanal era uma medida de grande alcance social, e a Lei da Greve satisfazia uma antiga reivindicação das classes trabalhadoras. A Lei da Greve representou um significativo progresso, pois revogou o famigerado artigo 277º, do Código Penal de 1886, ainda em vigor em 1910, que punia com prisão e multa quem fizesse greve. Mas isso não acalmou o mundo laboral porque tais diplomas, embora importantes, na prática não solucionavam de imediato nenhum dos mais instantes problemas dos trabalhadores, que eram a melhoria dos salários e a sustação da constante subida do preço dos bens essenciais.

Em Portugal, os salários não aumentavam desde 1907, mas a subida do preço dos bens de primeira necessidade era constante. Consequentemente, o nível de vida das classes trabalhadoras degradava-se continuamente. Mas não eram estes os únicos problemas. Os trabalhadores também enfrentavam outras dificuldades que urgia solucionar. Era o caso do trabalho das mulheres, e dos menores (muitos deles crianças), sujeitos a longas jornadas de trabalho. Eram também os casos da insuficiência do sistema de ensino e da luta por uma habitação com condições mínimas de salubridade.

Tudo isto explica o alastrar do movimento grevista. No ano subsequente ao triunfo da causa republicana, registam-se mais de quarenta greves por todo o País.

O surto grevista também atingiu a Covilhã, uma cidade então com cerca de três mil operários. Durante o ano de 1910, mas em datas anteriores ao 5 de Outubro, foram desencadeados na Cidade três movimentos grevistas. Contudo, segundo António Rodrigues Assunção, no seu livro "O Movimento Operário da Covilhã", e citando o jornal "Correspondência da Covilhã", a Associação de Classe dos Operários da Indústria Têxtil da Covilhã, tendo reunido em Novembro (um mês depois da proclamação da República), deliberou, em atenção à ainda periclitante situação política, não só abster-se de formular reivindicações, mas, para além disso, "protestar contra a má orientação das classes operárias, por terem escolhido uma ocasião tão inoportuna para formularem as suas (justas) reclamações"

A referida Associação de classe entendeu então que a prioridade da sua acção devia ser a consolidação da República - no que, conviremos, revelou uma aguda consciência social! Na verdade, os excessos de reivindicações podiam por em causa a ainda frágil instituição republicana.

Logo em Janeiro de 1911, entram em greve os pegadores de fios, totalizando 292 operários – todos menores de idade. Esta greve, que fracassou, implicou no entanto a paralisia dos cardadores e dos fiandeiros, que não podiam trabalhar sem o concurso dos pegadores de fios. No mês seguinte, são os tecelões que se declaram em greve, por um período de tempo que durou mais de um mês, tendo saído dela com ganho de causa.

..Fica aqui esta breve memória do que se passou na Covilhã, no mundo laboral, no ano que se seguiu à proclamação da República em Portugal.



Autor
José Pinheiro Fonseca

Categoria
Opinião

Palavras-Chave
República / Greve / Lei / Covilhã / classes / Portugal / mundo / problemas / causa / vida

Entidades
António Rodrigues Assunção / proclamação da República / Associação de Classe dos Operários da Indústria Têxtil da Covilhã / Associação / País A República

Artigo Preservado pelo Arquivo.pt
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