"A Pátria é morta! a Liberdade é morta! / Noite negra sem astros, sem faróis! / Ri o estrangeiro odioso à nossa porta, / Guarda a Infâmia os sepulcros dos Heróis!" (Guerra Junqueiro, Finis Patriae, 1890)
Enquanto os portugueses vão empobrecendo tristemente, vivendo dias cada vez mais negros, a troika elogia Portugal como "bom aluno". Contraditório? Nem por isso: significa que o desígnio da Europa dos ricos é precisamente esse, que os portugueses empobreçam. Um desígnio que, aliás, o atual primeiro-ministro não se tem coibido de repetir uma e outra vez.
Pode-se perguntar: mas se o desígnio da Europa era que os portugueses fossem pobres, qual era (foi) o interesse da adesão de Portugal à União Europeia em 1986 e, já em 1999, à Zona Euro? Na altura, essa adesão foi-nos apresentada por líderes nacionais e europeus – Mário Soares, Cavaco Silva, Jacques Delors – como a via para o desenvolvimento económico e a solidariedade social em cada um dos países europeus e, dentro de cada país, em cada uma das suas regiões.
Nesse sentido, Portugal foi incentivado a seguir uma via que hoje nos dizem ter sido totalmente errada: por um lado, a desinvestir na indústria, na agricultura, nas pescas, enfim, na produção de "bens transacionáveis", que poderíamos importar da Europa mais rica (os carros alemães, os produtos agrícolas franceses, os peixes espanhóis, etc.); por outro lado, a investir no comércio, nos serviços, nos equipamentos sociais (autoestradas, hospitais, escolas, etc.). Para este duplo movimento de desinvestimento e investimento a Europa foi-nos dando dinheiro, dinheiro e mais dinheiro.
Este processo não foi da responsabilidade do PS ou do PSD – foi de ambos. Foi tanto de Cavaco Silva como de António Guterres, para nos referirmos apenas aos dois primeiros-ministros que durante mais tempo governaram Portugal depois do 25 de Abril de 1974 (entre 1985 e 1995, no primeiro caso; entre 1995 e 2002, no segundo).
Com a crise mundial de 2008 - a crise a que se tem vindo a chamar Grande Recessão – o que se verificou? Que a tal Europa "desenvolvimentista" e "solidária" era (é) apenas um amontoado de interesses nacionais e egoístas. A frase que esteve em voga em Portugal nos anos revolucionários, "Os ricos que paguem a crise", passou a ser, na sua versão europeia, e aplicada aos países, "Os pobres que paguem a crise" – isto é, que empobreçam na exata proporção em que antes enriqueceram, que voltem ao que eram antes da sua entrada na União Europeia e na Zona Euro.
Foi esta a Europa que nos prometeram? Não. É esta a Europa que nos interessa? De modo algum. E haverá alternativas a este ajoelhar português perante os países ricos da Europa – que é nisso que tem consistido, nos últimos dois anos, a "política" portuguesa?
Por mim, só vejo duas alternativas: ou os Estados Unidos da Europa, com todos a partilhar a riqueza e a pobreza de todos; ou a saída da Europa e o regresso ao escudo (uma hipótese que economistas como João Ferreira do Amaral têm vindo a colocar). O resto são caminhos que só nos conduzem ao abismo em que se encontra a Grécia e para o qual a Espanha parece caminhar também a passos largos.
E se, dando lugar à política, os políticos portugueses tivessem a coragem de perguntar aos portugueses, uma vez na vida, se querem esta Europa?
Autor
Paulo Serra
Categoria
Opinião
Palavras-Chave
Europa / Portugal / Pátria / portugueses / morta / crise / Europeia / desígnio / Euro / dinheiro
Entidades
Mário Soares / Cavaco Silva / Jacques Delors / António Guterres / João Ferreira do Amaral
Artigo Preservado pelo Arquivo.pt
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