Sócrates confirma portagens nas SCUTS.
Está assumido pelo primeiro-ministro, José Sócrates: todas as auto-estradas sem custos para os utilizadores (SCUTS) vão ter portagens. Ou seja, a A23 "de borla" como sempre foi chega ao fim, pelo menos, para alguns, assegura Sócrates, que diz aceitar portagens com a condição de que "ninguém dos residentes na área dessa estrada nem aqueles que têm actividade económica registada deva pagar nessa auto-estrada". Declarações proferidas em Coimbra, na passada quarta-feira, 23, em que o primeiro-ministro abre assim um regime de excepção para quem é de cá, falando no caso da A23.
Está reaberto um dossier que, por assim dizer, nunca esteve completamente fechado. E a luta, tal como então, promete regressar à estrada. Em 2004, com Durão Barroso a liderar um governo social-democrata, o Ministro das Obras Públicas de então, Carmona Rodrigues, em Maio desse ano, aborda pela primeira vez o tema, admitindo portagens na A25 (que agora também terá) mas excluindo a A23. Durão saiu, Santana Lopes substitui-o no cargo de primeiro-ministro e o seu Ministro das Obras Públicas, agora António Mexia, inclui no pacote portagens a A23. "Às vezes a excepção não é a melhor maneira de ser justo" dizia em Setembro desse ano. Seguiu-se mais de meio ano de luta e protestos (ver caixa) e com a subida de Sócrates ao Governo, este cumpre a promessa feita ao Interior: desiste das portagens nas SCUT. Em campanha para secretário-geral do PS, na Covilhã, em Dezembro de 2007, Sócrates garantia ao NC: "Se o PS for Governo a A23 continuará sem portagens".
De cinco para oito cêntimos
E agora, quanto custarão, a quem passar pela A23, as portagens que o Governo quer introduzir? Esta uma pergunta que já andará pela cabeça de alguns, mas que, se o critério que o Governo aplicou na A17 e A29, será de oito cêntimos por quilómetro.
Ora, trata-se de um preço superior ao sugerido pelo governo social-democrata de Santana Lopes, há seis anos atrás. De modo a diferenciar positivamente os cidadãos do Interior, o ministério de António Mexia aplicava uma taxa de cinco cêntimos por quilómetro percorrido na A23. A oito cêntimos, fazendo contas, quem fizer uma viagem entre Guarda e Abrantes pagará cerca de 15 euros. Se seguir pela A1, até Lisboa, 30 euros não chegam para a viagem. Ou seja, uma simples deslocação à capital, ir e vir, custará mais de 60 euros aos utentes.
De todo o modo, para já, há a garantia de José Sócrates (que também garantira só a introdução de portagens quando o Interior atingisse níveis de desenvolvimento semelhantes ao resto do País) de que os residentes não pagam. Uma isenção que "é a melhor forma de responder a todas as preocupações de igualdade e justiça" afirma. "O que é importante é que na A23 ou que na futura auto-estrada transmontana, nas auto-estradas do Interior ou naquelas em que não há alternativa, como por exemplo no Algarve, aqueles que vivem no Algarve ou têm actividade económica registada no Algarve não paguem a auto-estrada, porque isso é que é o incentivo que nós damos ao desenvolvimento regional, os critérios de diferenciação positiva" afirma Sócrates, dizendo ser "muito simples" aplicar esta proposta. Sócrates lembra que até agora não houve portagens porque estas eram áreas do País onde os rendimentos per capita eram inferiores à média nacional e não há alternativas efectivas às auto-estradas.
A Comissão de Utentes contra as portagens na A23, A25 e A24 também já fez as contas e, na passada semana, mostrou uma tabela de preços tendo em conta o que já se encontra em vigor em outras auto-estradas do País. Segundo a Comissão, ir da Guarda à Covilhã, num ligeiro de passageiros classe 1 custará quatro euros e 25. Se for um classe 2 passa para oito euros e 50, e se for um pesado o preço sobe para 11 euros e 20. Entre a cidade egitaniense e Torres Novas, ou seja, para percorrer a A23 na totalidade, um condutor de um ligeiro classe 1 gasta 16 euros e 70, um classe 2 desembolsa 33 euros e 40 e um camião paga 43 euros e 70.
O que diziam políticos, empresários, autarcas e utentes em 2004
Em 2004, com António Mexia nas Obras Públicas do Governo de Santana Lopes, a Beira Interior contestou, e muito, a possível introdução de portagens tanto na A25 como na A23. Manifestações, buzinões e marchas lentas fizeram parte de um rol de iniciativas á qual muitos cidadãos anónimos se associaram, mas também autarcas e empresários.
O NC recorda aqui algumas das frases de alguns responsáveis, então:
"SCUT da Beira Interior deve continuar sem portagens Mas é impensável que um País como o nosso ofereça auto-estradas gratuitas para o intenso tráfego internacional que recebe todos os dias. Não percebo porque não deve haver uma taxa para todos os que vêm da Europa e circulam na nossa A23. Para quem habita aqui e para as actividades aqui sediadas não deve haver portagens"- Carlos Pinto, presidente da Câmara da Covilhã- NC, 9 Julho 2004
"O PSD tira ao Interior tudo o que a Governação do PS e António Guterres aqui deixam"- Miguel Nascimento, na altura vereador do PS na Câmara da Covilhã- NC, 17 Setembro 2004
"Temos que saber quanto tempo teremos essa benesse. Se, por exemplo, estipularmos que nos próximos 20 anos não se paga, haverá tempo para os empresários saberem com o que contam"- Miguel Bernardo, Associação Empresarial da Covilhã, Belmonte e Penamacor- NC, 24 Setembro 2004
"É uma declaração de guerra do Governo ao Interior e às suas populações. Não há alternativas visíveis á A23"- União dos Sindicatos de Castelo Branco- 24 Setembro 2004
"A A23 absorveu os poucos troços do IP2 que antigamente existiam. Se este Governo não se demite, que seja demitido por quem de direito"- Jorge Fael, Comissão de Utentes contra as Portagens na A23- NC, 8 Outubro 2004
"Pagamento de portagens é uma violência para a região. Não temos alternativas de circulação"- Amândio Melo, presidente da Câmara de Belmonte- NC, 8 Outubro 2004
"É uma grande asneira. As populações ficarão cada vez mais interiores"- Domingos Torrão, presidente da Câmara de Penamacor- NC, 8 Outubro 2004
"Prejudica todo o Interior. Depois queixam-se que há desertificação e assimetrias"- Joaquim Morão, presidente da Câmara de Castelo Branco, NC 8 Outubro 2004
"Deixaram-nos sem alternativas e abriram-nos um caminho de cabras"- Maria do Carmo Sequeira, presidente da Câmara de Vila Velha de Ródão- NC, 15 Outubro 2004
"Estávamos a sentir os benefícios da A23 no nosso desenvolvimento e agora tudo vai voltar para trás"- Álvaro Rocha, presidente da Câmara de Idanha-a-Nova- NC, 15 Outubro 2004
"É fundamental que os residentes e empresas não suportem as portagens"- Manuel Frexes, presidente da Câmara do Fundão- NC, 29 Outubro 2004
"A A23 não virá nunca a ter portagens. Não temos alternativas. Há troços do IP2 ocupados e há troços da nacional 18 já municipalizados"- Maria do Carmo Borges, na altura presidente da Câmara da Guarda- NC, 29 Outubro 2004
"A introdução de portagens é um rude golpe para o desenvolvimento económico e social do Interior"- Associações empresariais de Guarda e Castelo Branco- NC, 26 Novembro 2004
Isenções não desmobilizam luta
Na passada quinta-feira, 24, a Comissão de Utentes Contras as Portagens na A25, A24 e A23 realizou na Guarda uma conferência de imprensa onde abordou as declarações de José Sócrates sobre as portagens nas SCUT. Apesar do primeiro-ministro ter assegurado isenções de pagamento para residentes e agentes económicos, os utentes desconfiam e por isso asseguram que a luta pela não introdução de portagens estará no terreno.
"A afirmação vale o que vale. Iremos continuar o combate até que tudo esteja definitivamente resolvido. Continuaremos até que esteja afastada a ameaça de portagens" refere Francisco Almeida, porta-voz da Comissão, que até já tem marcadas algumas formas de luta. Para já foi lançado um abaixo-assinado na região. Mas se o Governo persistir na introdução de portagens, a Comissão diz que os protestos podem subir de tom com a realização de buzinões, marchas lentas e cortes de estradas, tal como em 2004. "Não menosprezem a capacidade de protesto e luta do povo desta região" avisa Francisco Almeida, voltando a frisar que quem se mete com os beirões "leva". Este responsável recorda também que José Sócrates, no passado, jurava que não haveria portagens no Interior, "a pés juntos", mas agora já admite essa medida. A Comissão lembra que esta aplicação irá prejudicar o desenvolvimento do Interior, que está ainda muito longe dos níveis de outras regiões, e que não existem alternativas rodoviárias às auto-estradas. Sobre a A25, a Comissão não considera justo taxar uma estrada que não tem um perfil de auto-estrada, devido a ser muito sinuosa, ter acentuados declives e que fica muito distante da qualidade de outras.
PS da Guarda também contesta
A Federação Distrital do PS da Guarda anunciou na passada semana que se opõe à introdução de portagens nas auto-estradas A25 e A23 por considerar que os "indicadores de desenvolvimento socioeconómico" da região "são inferiores à média nacional". No comunicado intitulado "SCUT do Interior sem portagens", a Federação Socialista presidida por José Albano Marques assume o compromisso, "dentro das suas competências, de reivindicar pela não inclusão de portagens quer na A23 (Guarda-Torres Novas) e na A25 (Vilar Formoso-Aveiro)". "A nossa posição é sustentada pelo compromisso assumido com a população nas passadas legislativas, que se inclui no Programa do Governo", refere o PS.
Recorda que o documento "não prevê portagens na A23 nem mesmo na A25" uma vez que os indicadores de desenvolvimento socioeconómico da região "são inferiores à média nacional". "A Federação Distrital do PS/Guarda, tem como objectivo promover o seu distrito e melhorar a qualidade de vida das pessoas, porque entendemos ser da mais elementar justiça a coesão territorial, sendo que esta só é real se por parte do Estado, for mantida uma discriminação positiva, de forma a contrariar o êxodo das populações para o Litoral", é defendido. Os socialistas garantem que condenarão "veementemente" se o distrito "for entendido como mera forma de contribuição e de aumento na receita fiscal para alimentar um Estado central político-administrativo que se mantém localizado no Litoral deste País". "A A23 e a A25 foram construídas para serem alternativas às estradas tradicionais, contribuindo para o desenvolvimento regional, tendo havido sempre um compromisso que, para se introduzir portagens nas auto-estradas é preciso haver alternativas", é recordado. Nesse sentido, o PS da Guarda reconhece que as alternativas existentes "são piores" do que as que existiam "antes da criação" das auto-estradas. "Pelo nosso lado, manifestamos toda a solidariedade aos que lutam por esta causa e lembramos que o Partido Socialista da Guarda, está obrigado por uma moção aprovada no último Congresso Distrital a opor-se resolutamente a este atentado contra os cidadãos deste distrito", é também sublinhado.
Frexes diz que A23 não tem alternativas
Também o presidente da Câmara do Fundão (PSD) já defendeu que a A23 não poderá ter portagens por falta de vias alternativas sem custos e por atravessar uma das zonas mais pobres do país. Manuel Frexes, que é também vice-presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) e presidente dos Autarcas Sociais-democratas, considera que "o PSD não é favorável ao pagamento de portagens em todas as SCUT (vias Sem Custos Para o Utilizador)". "O PSD é sim favorável ao princípio de tratamento igual em todas as SCUT. Portanto, a partir do momento em que há pagamentos nalgumas SCUT, o princípio tem de ser igual para todos", diz.
No entanto, o autarca destaca que mesmo que se aceite este princípio da universalidade de pagamento, "existem duas normas que derrogam a introdução de portagens, que são o desenvolvimento e o nível de riqueza da região que é atravessada por essa SCUT e o facto de existirem ou não alternativas à mesma SCUT". "E portanto, nos municípios que são servidos pela A23, que é uma das zonas mais pobres do País, não poderá entrar o princípio da universalidade de 'portajar' as SCUT, porque estas regiões estão abaixo de 80 por cento da média de rendimento nacional e, em segundo lugar, eu, por exemplo, para ir do Fundão para Castelo Branco ou de Castelo Branco para Lisboa ou da Covilhã até à Guarda, não tenho vias alternativas", afirma. "Esse também é um princípio universal: todos os cidadãos têm o direito de se deslocar no território nacional sem pagar portagem. Ora se nós não temos estradas alternativas às SCUT, naturalmente que, enquanto elas não forem feitas, nós estaremos isentos de pagar portagem, embora o princípio de 'portajar' seja um princípio universal", acrescenta.
O autarca refere que está tranquilo, porque a situação da A23 é clara. "Para mim isto é claríssimo e, se estes princípios não forem tidos em conta, nós com certeza que não aceitaremos a decisão de ânimo leve", sublinha.
Autor
João Alves
Palavras-Chave
portagens / Interior / governo / SCUT / Câmara / Guarda / Sócrates / alternativas / Outubro / Comissão
Entidades
Sócrates / SCUTS / José Sócrates / Durão Barroso / Carmona Rodrigues
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