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Quando a tolerância é intolerante

2010-05-12

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A visita de Bento XVI a Portugal.

Os tempos que correm não são fáceis. Não sei se alguma vez foram. Cada época tem as suas próprias dificuldades, desafios a enfrentar e boas razões para celebrar. Porém, neste ano em que celebramos o Centenário da Primeira República e como herdeiros que somos dos ditos valores da Revolução Francesa, os quais marcaram os ideais republicanos, (sobre a égide da Igualdade, Fraternidade e Liberdade), importa ver para além do olhar. Celebrar esta efeméride pode ser uma boa oportunidade para cair na conta do tipo de República (Res-Publica, a coisa de todos) que estamos a viver, que sai na comunicação social, que subjaz às políticas a que assistimos, que estão na génese de comportamentos sociais e culturais que a todos afecta. Isto é, que repercussões têm os valores republicanos na sociedade civil, na classe política, nas estruturas sociais, na legítima inclusão social, na autêntica tolerância, a qual, mais do que "tolerar" sabe conviver com posições expressas maioritariamente, integra a legítima diversidade e a aceita como causa comum. Não podemos ser míopes, e constamos que, não raramente, todos estes valores funcionam 'bem' desde que não colidam com os interesses da Minoria Absoluta. Deste estilo não emana democracia mas ditaduras disfarçadas!

Vem esta reflexão a propósito da tinta que tem corrido devido à visita de Sua Santidade, Bento XVI, ao nosso país. É interessante analisar o que frequentemente está por detrás do que tem sido escrito e dito sobre esta visita, em nome de nobres valores sociais, mas tantas vezes, enviesados de uma enorme intolerância, ressentimentos, fundamentalismo ideológico. É curioso como quando os grupos minoritários, ou minorias absolutas da nossa sociedade, se sentem beliscadas nos seus interesses, vem para a rua afirmar com toda a veemência os seus direitos, em nome da tolerância, da inclusão, da liberdade e igualdade de oportunidades. Porém, quando se assiste a posições que não vão ao encontro dos interesses das minorias absolutas, verifica-se uma intolerância execrável, ao ponto de não se olhar a meios para atingir fins. Um exemplo a fazer reflectir: o modo como se tem explorado os casos hediondos da pedofilia levados a efeito por membros da Igreja. Estratégia adoptada: somam-se os casos perpetuados ao longo de décadas, projectam-se e mediatizam-se no momento presente e apresenta-se um quadro completamente desfocado da realidade social e eclesial. Isto é, estamos perante atitudes, ou pessoas, que supostamente vêm em defesa das vítimas inocentes de abusos sexuais, (as quais merecem o maior respeito, compreensão e tratamento), mas que simultaneamente fazem deliberadamente outras vítimas inocentes a começar na pessoa do Papa. Assim se expressam na comunicação social muitos dos herdeiros dos ditos valores da Primeira República: jacobina, intolerante e perseguidora. Assim se expressa a ideologia que mais do que defender um estado laico, afirma um fundamentalismo ideológico chamado laicidade. Isto é, sob a capa da liberdade nega-se a cooperação entre instituições religiosas e o Estado, para a persecução do bem comum, onde todos nos deveríamos rever. Tudo isto, em nome de uma democracia que não se percebe bem em que consiste, e que de genuíno pode restar-lhe o étimo da palavra.

Por estes motivos, não obstante vivermos num país democrático, livre, católico, os cristãos correm o risco de se sentirem estrangeiros no seu próprio país, relativamente às vivências públicas da sua fé. É irónico que em nome da liberdade de expressão, se justifiquem tantas vezes a suspeição, a calúnia; porém, quando o assunto é de ordem religiosa, não raramente, quer-se relevar para a esfera privada os valores religiosos que se podem e devem viver publicamente. Na verdade, esta esfera 'privada' não é mais do que uma estratégia subtil em negar o direito de cidadania a quem quer viver de acordo com a sua fé. Isto porque, o cidadão que é religioso vive na sociedade, na esfera pública, e portanto, ainda que o Estado seja laico, a sociedade não é laica, e deve ser respeitada como é, inclusivamente na promoção do bem comum que a todos deve mobilizar e a ninguém deixar indiferente.

Os últimos tempos têm sido marcados por uma crise sem precedentes. Esta crise tem sido definida pelos especialistas em assunto financeiros, como crise económica. O Papa Bento XVI na sua última encíclica (Caridade na Verdade) afirma que a crise económica é expressão de uma crise mais profunda: crise de ética, da não valorização do que é autenticamente humano. Ora neste contexto português (e mundial) o que a nossa sociedade mais precisa é de escutar um profeta da esperança, da verdade, do que é genuinamente humano. Pode não se querer estar receptivo à mensagem cristã, à doutrina cristã, a qual, pela sua própria natureza não se pode impor, (ainda que na praxis nem sempre assim se tenha entendido), mas pode e deve ser proposta a todos os homens de boa vontade. Não perceber esta dimensão do bem comum é não ter aprendido as lições da nossa história colectiva, e continuarmos a viver adiados e a relegar para a esfera económica o que tem causas mais profundas e de natureza diversa. Não aprender com quem tanto tem a ensinar, significa continuar a esbanjar o capital social que todos somos detentores e responsáveis.

Quero crer que o que nos une a todos é superior àquilo que nos diferencia. Mas a atenção ao que nos une só será possível quando valores mais altos se levantam, e não formos mesquinhos nos nossos juízos e tomada de posições. O bem-estar de um país não se mede só pelo seu PIB, mas também pela sua capacidade de aproveitar as suas potencialidades e oportunidades. Esta perspectiva poderá apontar-nos para uma cultura eticamente proveitosa se formos capazes de examinar a nossa realidade social, política e religiosa e tirarmos as devidas conclusões. Só assim, poderemos perspectivar o próximo centenário marcado pelo significado profundo do termo república: o poder pertence ao povo, sim, mas entendido no sentido de bem, de serviço, de respeito, de todos e para todos.




Autor
Francisco Rodrigues S.J.

Categoria
Opinião

Palavras-Chave
valores / social / Portugal / crise / República / sociedade / Bento / XVI / Liberdade / comum

Entidades
Bento XVI / Sua Santidade / Papa / Papa Bento XVI / Igualdade

Artigo Preservado pelo Arquivo.pt
→ Ver Original

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