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O País que o Governo vai encontrar

2011-06-07

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O que aí vem é demasiado grave e sério para nos levar a festas.
Estou em frente da televisão a assistir à noite eleitoral e apercebo-me de facto de que estes anos de facilitismo educativo deixaram uma marca tremenda no nosso País. Ao lado dos discursos de vitória, de ambos os lados das barricadas, dos Homens da Luta aos gritos na avenida, das bandeiras e dos acenos, pesa a grande mancha de abstenção que se verificou de Norte a Sul.
Já temos um presidente de todos os portugueses eleito por 25 por cento desses potugueses - e foi esse mesmo presidente que falou ontem a pedir os votos de todos perante a situação que estamos a viver. E a única conclusão a que chego é que as pessoas não têm noção do que se está a passar nem do que vem aí. Ou são burras ou não querem saber, o que porventura também é um sinal de burrice.
Alguém dizia na noite eleitoral que não se deveria festejar nada – o que aí vem é demasiado grave e sério para nos levar a festas. E não posso deixar de me lembrar do meu amigo L, que tem um carcinoma do intestino, que foi "despedido" no serviço público de saúde e que, como não tem mais do que o seu ordenado de operário, tem estado a pedir dinheiro aos amigos e familiares para um tratamento feito no hospital da Luz. E do filho do meu amigo L que faz comissões no Afeganistão umas a seguir às outras porque precisa do dinheiro para sustentar a mulher desempregada e o filho de três meses. E o primo e o tio do L que voltaram para a Suíça, mais uma vez, porque não encontraram cá trabalho mais uma vez.
Também não posso esquecer-me da senhora X, que está desempregada, que foi mais uma vítima das Novas Oportunidades e não consegue emprego da mesma maneira que licenciados não conseguem. Só que a senhora X tem três filhos e o marido deixou-a, para parte incerta, com uma estrangeira que está cá clandestinamente, a ganhar dinheiro de forma mais ou menos ilícita - o que é ignorado em simultâneo pelas Finanças e pelo ministério dos negócios estrangeiros. A senhora X arrasta dores de cabeça crónicas, que se têm agravado à medida que as portas se fecham e já não tem mais sítios para mandar currículos
E da senhora O. Que é viúva, tem uma doença de Parkinson e tem dois filhos em casa, com um canudo à procura de emprego… há anos. E que só não emigram porque a vão deixar sozinha, sem outra família por perto. A solidão e o lar de idosos são um terror diário, a par da fome.
Também não esqueço o senhor L, que arrasta na justiça há anos um caso contra um manda chuva da terra, primo do poder local e ligado aos dois maiores partidos - o L não está ligado a nenhum partido e é apenas a sua teimosia que o mantém de tribunal em tribunal. A sua teimosia e um princípio de demência - pois só um demente se atreve na justiça nesta altura e neste País contra o poder estabelecido…
Nem o F de 15 anos, que desistiu de estudar porque a escola era tão chata e tão pouco interessante e os tipos que fumavam droga e se "marimbavam" é que eram muito fixes e estudar para quê, ficamos todos desempregados (no fim - é o retorno do não há futuro da geração punk, mas esses pelo menos partiam coisas…).
E a S, com 38 anos e esclerose múltipla que não tem emprego nem perspectivas, que não consegue nenhum empréstimo do banco e que se vê com uma diminuição progressiva do apoio do SNS ao seu caso e ao de outros.
Este é o Pais que o novo governo vai encontrar. Não há de facto motivo para festas. Que Deus nos ajude.



Autor
Assunção Vaz Patto

Categoria
Opinião

Palavras-Chave
senhora / País / festas / dinheiro / emprego / frente / televisão / assistir / apercebo-me / facilitismo

Entidades
senhora X / O. Que / Parkinson / Pais / S

Artigo Preservado pelo Arquivo.pt
→ Ver Original

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