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Quando a GNR é sinónimo de conforto social

2012-02-23

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Censos Sénior estão em curso e visam identificar idosos isolados ou sozinhos.

"Eu vou contar a minha vida desde o princípio, para verem o que tenho passado". Antes de desfiar os 77 anos de um percurso atribulado e sofrido, com muitas vidas dentro, sentou-se, que as pernas já não obedecem. Com a mão direita tentou mais uma vez domar o braço contrário. Os tremores parecem ter-lhe dado vida própria. E durante meia hora Maria Ferreira sintetizou um caminho que lhe pregou muitas rasteiras. Apenas o latir dos três cães e dos dois cachorros, fechados numa divisão interior, interromperam o discurso. José Folgado, sargento-chefe da GNR da Covilhã, subiu os três degraus em cimento de onde o musgo se quer desprender e, à soleira da porta, adoptou pacientemente a postura de bom ouvinte.

A situação que tem pela frente é das mais críticas, mas genericamente, no terreno, este é um dos requisitos mais solicitados aos militares responsáveis pela operação Censos Sénior, que decorre até ao final de Fevereiro. Estar disponíveis para ouvir. Porque os idosos, isolados ou que vivem sozinhos, é sobretudo isso que valorizam quando a patrulha aparece: terem alguém com quem conversar.

"Muitas vezes somos as únicas pessoas com quem eles falam durante todo o dia", diz José Folgado, que garante nunca terem sido mal recebidos por nenhum dos idosos contactados durante o levantamento em curso. Pelo contrário. "Dizem-nos que devíamos aparecer mais vezes. Muitas vezes, quando nos apanham, é a alegria do dia, por terem com quem conversar", reforça Carlos Amoroso, outro elemento da equipa da GNR responsável por actualizar os dados recolhidos o ano passado pela primeira vez.

João Pimparel Sousa é esse o eco que tem. O comandante salienta a "companhia" que os militares fazem quando aparecem em casa da população mais velha. "Já me têm dito que se pudessem ficavam lá a tarde toda, porque vêm que os idosos ficam satisfeitos".

Situações preocupantes
A acção passa essencialmente por identificar quem não tem o apoio diário de familiares. Mas é também função dos militares encaminhar para as entidades competentes as situações de maior risco.

É o caso de Maria. Bate-se várias vezes no portão de cor já desbotada. As janelas têm todas elas as portadas fechadas e apenas o som dos cães indicia vida no interior da casa com os blocos de cimento esventrados, perdida numa quinta, nos arredores do Ferro. Carlos Amoroso insiste e lá aparece Maria. Voz sumida. As pernas expostas à temperatura a tocar no negativo, já que os elásticos das meias grossas deixaram de cumprir a sua função.

É a segunda vez que a visitam, depois de numa primeira abordagem terem percebido que não tem qualquer rendimento, nem sempre tem com que se alimentar e há quatro anos que deixou de receber a reforma, por não ter como a levantar. Sinalizaram o caso e providenciaram apoio domiciliário de um centro de dia, mas à segunda recusou a ajuda.

"Eu não me importo de morrer, só eu sei o que tenho sofrido", começa por responder sucessivas vezes, quando questionada por Carlos Amoroso.

Desde que o companheiro foi internado numa instituição por doença, ficou sozinha, isolou-se. Come o que ocasionalmente alguém lhe dá, o que testemunhas de Jeová por vezes lhe entregam, mas assegura não precisar de nada, apenas que a levem a visitar o companheiro, que nunca mais viu. "Primeiro temos de cuidar de si, para não ficar como ele", responde Amoroso.

"Não nos conseguimos desligar"
A abordagem requer paciência, tacto, especial cuidado com a linguagem utilizada, e os militares têm isso em conta. Dão-lhe espaço para falar, deixam criar alguma empatia e algum tempo depois Maria parece mais permeável aos conselhos de Carlos Amoroso. Nova tentativa para garantir que tenha comida quente, quem diariamente olhe por ela e combinam-se os procedimentos para poder voltar a receber a pensão.

Mas Maria, a quem as vicissitudes da vida deixaram de pé atrás, coloca novo entrave. Agora é a documentação. Diz que a tentaram ludibriar, ao insistirem em fazê-la passar por ex-emigrante com aquele cartão azul, de dimensões reduzidas, que alegam ser o seu novo bilhete de identidade. "Isso não é o meu Bilhete de Identidade", resiste. Nova investida dos militares, que se vêm obrigados a mostrar os seus documentos de identificação para provarem que agora existe o Cartão do Cidadão.

A preocupação, agora, é tentar assegurar-lhe cuidados mínimos, eventualmente acentuar a sua condição para que se consiga acolhe-la num lar.

Não é um mero inquérito que a GNR está a realizar. É também assegurar algum conforto social. Carlos Amoroso confessa o envolvimento que estes casos acabam por implicar. "Não nos conseguimos desligar destas situações. Estamos em contacto directo com várias instituições, com a Segurança Social, e conversamos no sentido de tentar encontrar soluções, não nos limitamos a sinalizar", salienta o cabo.

(Reportagem completa na edição em papel)



Autor
Ana Ribeiro Rodrigues

Categoria
Secções Actualidade

Palavras-Chave
Amoroso / Maria / Carlos / GNR / vida / militares / muitas / idosos / terem / Censos

Entidades
Maria Ferreira / José Folgado / Carlos Amoroso / João Pimparel Sousa / Maria

Artigo Preservado pelo Arquivo.pt
→ Ver Original

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