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Eles ordenam um futuro melhor para os filhos

2013-03-06

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Três histórias de vida de quem participou no protesto do passado sábado, contra a Troika.

Três pessoas. Três histórias. Três gerações diferentes. Um único propósito: que Portugal possa ser, no futuro, um País melhor e possa dar outras perspectivas de vida aos seus filhos. É isto que une Sofia Videira, João Goulão e Cláudia Bonança. Três das várias centenas de pessoas que no passado sábado, na Covilhã, participaram na manifestação "Que se lixe a Troika- O povo é quem mais ordena". Aliás, participaram mesmo activamente na preparação da manifestação, quer nas redes sociais, quer preparando os aspectos mais básicos de um evento de contestação, como colar cartazes ou produzir faixas com palavras de ordem contra o Governo.
Cláudia é a mais nova. Esta jovem algarvia, 23 anos, natural de Vila Real de Santo António, está na Covilhã porque estuda na UBI, mas o mestrado em arquitectua que está a tirar não lhe abre, face ao contexto social e económico do País, grandes perspectivas. "Somos a geração mais qualificada deste País, mas também a mais precária. Não poderei ficar onde nasci e nem sei mesmo o que vou fazer no futuro. É tudo muito incerto" afirma à mesa do café.

"Há gente com fome na UBI"

Na Universidade, lembra que, por exemplo, nos últimos anos as bolsas de apoio têm diminuído, levando mesmo alguns alunos a abandonarem o Ensino Superior. "E há pessoas com fome, lá dentro, sem dinheiro para comer" revela a jovem estudante que, para já, não admite a hipótese de emigrar, embora não o descarte no futuro. "Sinceramente, quando acabar, não sei o que vou fazer".
Cláudia considera que hoje o ensino se tornou um mar de "facilidades", mas se há uns anos um curso superior era garantia de emprego, isso hoje já não acontece. "Ter um mestrado, hoje, é quase como não ter nada" afirma, lamentando também a existência de licenciaturas de apenas três anos. "Com tão pouco tempo, o mercado de emprego não consegue absorver toda essa gente" assegura.
Sofia começa agora a ser uma "cliente" habitual de manifestações. No passado, fez cobertura das mesmas, quando era jornalista na Rádio Clube da Covilhã. Hoje, está do outro lado da barricada. Aos 33 anos, esta licenciada em Ciências da Comunicação, pela UBI, diz que participa nestas iniciativas pela sua filha, Beatriz, de 3 anos. "Faço-o pela minha Beatriz e por todas as beatrizes deste País" assegura.

"Não sei se consigo aconselhar a minha filha a estudar"

Após se formar, teve oportunidade de trabalhar na sua área, numa rádio. Diz que, depois de ficar sem receber, optou por dar novo rumo à vida. Passou por lojas de roupa, no Serra Shopping, como a Modalfa e Tifossi, esteve na PT e ultimamente no call Center da Telepeformance. Quase sempre com contratos precários. Está desempregada. Divorciada, diz que não integra estas manifestações por ela, mas sim pela filha. Porque "se para nós não houver comer, em vez de almoçar e jantar, almoça-se só. Com as crianças, isso não pode acontecer" afirma esta jovem natural de Chaves. "Não sei se consigo dizer à minha filha se vale a pena estudar. Se sou licenciada e não consigo trabalho, será que vale a pena" pergunta. E adianta: "Nem sei se terei dinheiro para que ela o consiga fazer".
Diz que, nos últimos anos, apesar de trabalhar, o dinheiro não dava para tudo. "Não era fácil explicar isso à minha filha. Ela não consegue perceber porque é que a mãe trabalha e não tem dinheiro". Sofia Videira considera que hoje existem muitas manifestações pelo País fora, mas afirma que existe uma que urge realizar: "A manifestação contra o pufo e o sofá. Há quem ache que o povo que integra manifestações é suficiente e que não precisa de sair de casa para fazer barulho. O problema, é que hoje isso já diz respeito a todos, pois há muito boa gente que tinha uma vida estável e que hoje já recorre ao Banco Alimentar. Mas qualquer dia, ele também deixa de existir. E depois?" pergunta.

"Já nem se pode morrer"

Sofia é voz da frustração quando lhe perguntam se vale a pena viver em Portugal. "Neste País, não se consegue viver, mas já nem se pode morrer, pois até esse subsídio já cortaram" afirma. Diz que integram estes protestos anónimos, mas também pessoas ligadas a todos os partidos, até do PSD. Até porque "este governo nem é do PSD. É do Passos e do Gaspar" ironiza. Negativo, diz, é a entrada de grupos extremistas nestas manifestações, que aproveitam para criar desacatos e violência. "Isso desvirtua o que se pretende com estas realizações. Portugal tem sido, apesar de tudo, um País ordeiro, mas há pessoas que acabam por não ir com o medo" afirma.

"Há mais de dois anos que não sei o que é um salário"

João Goulão, 45 anos, divorciado, pai de duas filhas, de 12 e oito anos, comercial de profissão, confessa que "vivo do ar". Apartidário, diz que nunca gostou de manifestações, mas tem colaborado com estas porque, afirma, "não são só contra este Governo, mas contra todos a seguir ao 25 de Abril. Todos têm feito a mesma coisa: delapidar a cousa pública".
João, que enquanto conversa com o NC, confessa que no momento, "tenho 24 euros no bolso e mais nada. Tenho que os saber gerir até final da semana." Afirma que trabalha "ao negro porque sou obrigado" porque declarando o que quer que seja, e recebendo a recibos verdes, "a totalidade do que ganho vai para as finanças". Apesar de tudo, é da opinião de que este Governo está a fazer "o que deveria ter sido feito há muito tempo, mas fá-lo de forma errada. Se cortassem no topo, nos mais ricos, hoje não estaríamos revoltados" assegura. Pois "neste momento, só mesmo o povo é que sente dificuldades".

Natural da Covilhã, João diz-se um "cidadão do mundo", que "nunca tem final do mês" e que vai conseguindo pagar as contas". Mas "há mais de dois anos que não sei o que é chegar ao final do mês e ter um salário" assegura.

Para as filhas, ordena um País melhor. "À mais velha, que já pergunta por estas coisas, não lhe digo para não estudar. Digo-lhe para estar sempre entre as melhores, pois assim não lhe faltará suporte."



Autor
JA

Categoria
Secções Centrais

Palavras-Chave
País / afirma / Covilhã / manifestações / pessoas / filha / João / Governo / UBI / Sofia

Entidades
Sofia Videira / João Goulão / Cláudia Bonança / Cláudia / Sofia

Artigo Preservado pelo Arquivo.pt
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