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Os voluntários que chamamos na aflição

2010-08-25

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Abdicam de grande parte do tempo livre para durante o ano estarem ao serviço da sociedade, sem que para isso sejam remunerados.

Desde que se conhece que queria ser bombeira e o quartel nunca lhe foi um local estranho, já que o pai, entretanto falecido, a levava com alguma regularidade ao local onde também ele prestava serviço voluntário.

O "bichinho" acabou por ser passado a Cátia Costa e ao irmão, que assim que puderam integraram também a corporação e durante todo o ano prestam serviço não remunerado porque, dizem, isso os faz sentirem-se bem.

Com 29 anos, Cátia Costa está nos Bombeiros Voluntários da Covilhã há 13. Quando ainda era estudante lembra-se de ao ouvir o toque da sirene não conseguir evitar sair das aulas para responder à chamada. Mais tarde, no emprego, tinha de conter o ímpeto, por não ser possível deixar o local de trabalho. Embora durante todo o ano continuasse a assegurar o piquete semanal obrigatório. "Saía do trabalho directamente para aqui e só ia de manhã para casa", lembra. Agora que a tabacaria onde trabalhava fechou, engrossou a lista de desempregados, embora durante o Verão esteja a assegurar as férias de funcionários da corporação. Uma pequena ajuda. Ao mesmo tempo, como todos os outros bombeiros, continua a fazer enquanto voluntária as escalas.

Tal como os colegas, já passou muitas noites em fogos, já passou o Natal e a passagem-de-ano no quartel, já teve de sair a meio da noite para uma emergência, já correu perigo de vida. Mas nunca lhe passou pela cabeça desistir. "Enquanto puder, serei sempre bombeira. Gosto de me sentir útil. Uma pessoa que venha para aqui tem de ser com gosto, senão não aguenta muito tempo", avisa.

Nem o nascimento dos dois filhos lhe retirou a motivação. "Nem sempre é fácil, só que quando uma pessoa tem vontade é possível. Por vezes tenho é de me desmultiplicar". A ajuda do marido é fundamental. Não o conseguiu recrutar, mas conta com o seu apoio. "Ele aceita. Afinal, quando começámos a namorar já eu era bombeira".

Segundo José Flávio, comandante da corporação, uma situação que nem é assim tão vulgar, uma vez que a maioria das mulheres, quando têm filhos ou casam com pessoas fora dos bombeiros, acabam por sair. "Isto é um sacerdócio", sublinha.

"Estamos a dar a vida de uma forma gratuita"
"Quem passa pelos bombeiros, isto fica dentro da pessoa, está no próprio sangue", diz José Flávio, comandante há 20 anos e voluntário desde os 16. Um desejo que vinha desde criança, quando, vizinho do antigo quartel, se oferecia muitas vezes para fazer de vítima nos exercícios da instrução.

"Quem vem para os bombeiros tem de o fazer despreocupadamente, a pensar nos outros", realça José Flávio. De resto, uma ideia repetida por todo o corpo de bombeiros covilhanenses, composto por 110 voluntários e 35 funcionários.

Telmo Monteiro tem 34 anos e entrou há 15. "Não tenho antecedentes na família, mas sempre quis ser bombeiro", salienta. "Morava perto do quartel e, quando a sirene tocava, lembro-me de ir a correr para os ver sair do quartel", recorda. Depois de convencer os pais, iniciou a formação necessária.

Para Telmo, que é agora subchefe, ser bombeiro é "servir abnegadamente, é dar a vida pela vida". "Estamos a dar a vida de uma forma gratuita. Hoje, numa época em que é o dinheiro que faz mover o mundo, não há muita gente a fazer isso", salienta.

São esses "valores" e o gosto por esta actividade que o levam a fazer alguns sacrifícios pessoais e a despender muito do seu tempo tanto para cumprir os serviços como para as constantes acções de formação.

De dia ou de noite, enquanto o alarme não soa, os turnos são passados à porta do quartel, à conversa, mas também a organizar o material ou a fazer limpezas. A tranquilidade do momento pode ser perturbada a qualquer instante.

"Para se ser bombeiro abdica-se de muita coisa"
No Verão, para além dos piquetes habituais que asseguram o socorro, existem também os Grupos de Intervenção Permanente (GIP) para responder a alertas de fogo florestal, a única tarefa paga, a 20 euros as 12 horas, que se podem estender sem que a remuneração acompanhe o trabalho a mais que é feito.

"Eu venho para aqui porque sinto que é o meu dever", acentua Francisco Poleina, de 56 anos. "Veja lá quem é que hoje trabalha 12 horas, que podem ser mais, por 20 euros? Ainda por cima temos de cá almoçar ou jantar. Com essa despesa que nós suportamos, mais o pequeno-almoço, cá ficam esses 20 euros", critica.

"Há quem ache que nós ganhamos o suficiente a fazer estes piquetes de Verão, mas é porque não andam lá a enfarruscarem-se", acrescenta Gabriel Batista, 55 anos, e há 18 nestas andanças.

Francisco Polaina é funcionário na corporação, onde trabalha como mecânico. Após o expediente, entrou na brigada, como voluntário, depois de ter ido a casa. O dia só vai terminar às 9h do próximo dia, com uma saída para um incêndio pelo meio, em Peraboa.

No turno anterior das brigadas esteve Fernando Louro, 37 anos, também ele funcionário dos Bombeiros da Covilhã, a cumprir o serviço enquanto voluntário. "Se não se gostar disto, não funciona", afirma. "Para se ser bombeiro abdica-se de muita coisa, mas eu tenho muito orgulho na minha farda", realça. Para além dos riscos que se correm, Fernando Louro chama a atenção para os convívios familiares de que se tem de sair a meio, do tempo que se rouba à família. Após 20 anos, "o coração continua a dar sempre aquele salto quando toca a sirene", embora, em rigor, ela já raramente soe, uma vez que os alertas chegam por mensagem no telemóvel.

O que os leva a, por vontade própria, prescindirem de tempos livres, de outras actividades, para muitas vezes se verem em situações de perigo e ainda por cima não serem remunerados por isso? Nem toda a gente tem uma explicação racional. O tal "gosto" de que falam e a compensação por sentirem que estão a ajudar são o argumento mais ouvido. Ainda que muitas vezes se sintam injustiçados.

"O nosso esforço não é valorizado"
"Nós somos carne para canhão. As pessoas só se lembram dos bombeiros quando precisam deles", lamenta Telmo Monteiro. "O ideal, para algumas pessoas, era terem os bombeiros estacionados a cada porta", ironiza o subchefe, que por vezes, para além de socorrer o mais correctamente possível as vítimas, ainda tem de ligar com a incompreensão de algumas pessoas.

Cátia Costa, que diz fazer alguns sacrifícios na vida pessoal para poder continuar a servir a sociedade, queixa-se do mesmo. "O nosso esforço não é valorizado", nota."Às vezes até nos enxovalham à chegada", conta. Ou porque acham que a ambulância demorou a chegar, "sem perceberem que não são os bombeiros que recebem as chamadas directamente e só saímos quando recebemos aqui o alerta", ou ate mesmo nos incêndios, quando questionam as técnicas utilizadas pelos bombeiros. "Às vezes não compreendem o que nós fazemos e não passam pelo que nós passamos. Nós temos técnicas a seguir", elucida a jovem bombeira, já de segunda classe, o que lhe permite estar no combate directo aos incêndios. E dá um exemplo: "Por vezes criticam-nos por não estarmos aqui ou ali, só que é porque estamos na frente de incêndio, onde tem mais lógica combatê-lo".

"Não somos heróis, só que às vezes sacrificamo-nos tanto e sabemos que não nos é dado o valor que deviam", considera Cátia. Fernando Louro e Rui Vilhena têm-se deparado em algumas ocasiões com essa postura por parte da população, em alturas de tensão. A solução passa por se concentrarem nas tarefas a executar. "As técnicas evoluíram. Hoje os bombeiros estão muito melhor preparados que no passado, são muito técnicos", sublinham.
(Reportagem completa na edição papel)



Autor
Ana Ribeiro Rodrigues

Categoria
Secções Centrais

Palavras-Chave
Bombeiros / Costa / bombeiro / Abdicam / quartel / vida / durante / tempo / Cátia / sair

Entidades
Cátia Costa / Saía / José Flávio / Telmo Monteiro / Telmo

Artigo Preservado pelo Arquivo.pt
→ Ver Original

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