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Quando o ensino regular não resulta

2010-05-05

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O PIEF é o fim da linha, a última carruagem que jovens em idade escolar podem ou são obrigados a apanhar.

Paulo entrelaça os dedos das mãos num movimento contínuo, os olhos fogem-lhe para o chão, faz com frequência uso de monossílabos para comunicar. Tem 19 anos, reprovou cinco vezes no ensino regular e não chegou a completar o 8º ano de escolaridade. Agora, com mais maturidade, olha de relance para o passado sem se orgulhar de algumas escolhas. Sente que desperdiçou tempo, arrepende-se de não ter agarrado na altura própria um destino diferente, apesar das dificuldades.

"Com esta idade algumas coisas começam a encaixar na minha cabeça. Tenho mais maturidade. Para aqui vim com uma atitude diferente, sou mais sossegado", reflecte. Este aqui a que Paulo se refere é a turma do Programa Integrado de Formação e Educação (PIEF) em funcionamento na Escola do Teixoso, um projecto do Ministério do Trabalho e Solidariedade Social criado em 1998 e implementado no concelho da Covilhã em 2004, com vista à eliminação da exploração do trabalho infantil e ao abandono escolar precoce.

É visto como o fim da linha. O último recurso para quem a escola pouco diz. A turma dos "maus", dos que não se adaptaram ao sistema normal de ensino, dos que arrastam consigo problemas vários, dos que estão em risco de ficar por aí sem fazer nada ou de irem trabalhar numa idade em que ainda não o deviam fazer. Para os que frequentam o PIEF é uma nova oportunidade, uma luz ao fundo do túnel. Em alguns casos uma imposição. Quem lida com o grupo vê aqui uma forma de tentar transmitir conhecimentos de forma menos convencional, para que estes alunos, numa situação especial, fiquem na escola enquanto tiverem idade para isso. Motivá-los para quererem adquirir competências, nomeadamente sociais, é um bónus.

"Era-me indiferente que me mandassem para a rua"

O mais velho dos alunos da turma tem um percurso que se compara aos de outros colegas. "Não gosto de estudar", insiste, repetidamente. "Não sei se me acho burro", responde, quando questionado sobre a forma de assimilar conhecimentos, e depois de dar uma gargalhada. Tem é uma certeza: "Se chumbei tantas vezes foi porque não me empenhei o suficiente".

Não se lembra de ter gosto em aprender o que era leccionado nas salas de aula e os trabalhos de casa eram sempre adiados, ao ponto de simplesmente não serem feitos. O acompanhamento por parte da família permitia-lhe algum livre arbítrio e essa postura acabou por reflectir-se no aproveitamento e no comportamento na escola.

"Os professores mandavam-me para a rua e muitas vezes era o que eu queria. Deixava-me andar. Chumbei por faltas, por não fazer os trabalhos de casa, por mandar bocas aos professores, por fazer palhaçadas. Era-me indiferente que me mandassem para a rua", conta. Até que estar na escola se tornou inviável e foi trabalhar. Durante dois anos teve tarefas na construção civil e na fruta. "Queria ganhar o meu dinheiro". Com o tempo percebeu que conseguir um emprego noutro sítio, com apenas o sétimo ano, se tornaria complicado. Através de um amigo que a frequentava ouviu falar na turma PIEF e voltou a estudar.

O objectivo dos 11 alunos do grupo da escola do Teixoso, que se dividem entre a certificação de Operadores de Mecanização Agrícola e Operadores de Pré-Impressão, é fazerem o nono ano em dois anos. Paulo vai dois dias por semana para a Escola Agrícola Quinta da Lageosa aprender a manobrar equipamentos e máquinas, embora não veja o futuro passar por aí. "Queria ser pasteleiro. Só fiquei aqui porque achei que podia fazer o 9º ano com maior facilidade". E não descarta a hipótese de tentar mais tarde um curso de formação profissional nessa área que lhe dê equivalência ao 12º. A alternativa é ir para a tropa, outra hipótese que considera. "É uma forma de ganhar independência, gostava de ver como é". Sobre a autoridade com que teria de lidar, responde com uma gargalhada.

"Valorizamos competências a nível de atitudes, de valores"

Em tudo a turma é atípica. Entre os 14 e os 19 anos, são os mais velhos da escola, têm sempre aulas na mesma sala e têm um estatuto diferente, com um programa próprio, independente do plano curricular do Ministério da Educação, e com várias regalias que incluem muitas visitas de estudo, a possibilidade de saírem da escola para irem ao café, na companhia da monitora, ou a autorização, com a permissão dos pais, para no intervalo irem ao portão fumar.

O programa está sob a alçada do Ministério do Trabalho e da Segurança Social. Existe a componente teórica, com as disciplinas tradicionais e duas vezes por semana têm aulas práticas. Uns a aprender técnicas de impressão, na escola, outros a perceber como se conduzem tractores, alfaias agrícolas e outros equipamentos relacionados com a lavoura.

Se alguns pediram para integrar a turma, outros estão ali obrigados por instituições ou pela família, em alguns casos também ela pressionada pela Segurança Social ou pelo tribunal. São várias sensibilidades, experiências de vida diferentes e pessoas com um histórico familiar complicado aquelas com que a equipa pedagógica tem de lidar, e motivar. Os alunos garantem que não vêem aqui mais indisciplina que nas turmas regulares por onde passaram, mas nem todos os dias são tranquilos.

"Há muita flexibilidade para os levar para outros patamares, para os motivar, porque se há os que vêm apostados em que a experiência corra bem, outros já ganharam vícios e a escola é um corte radical com essa vida, já não lhes diz nada", sublinha Rui Bulha, um dos três professores destacados em exclusividade para a turma.

"Os dois primeiros meses estamos mais tempo a trabalhar regras, a tentar motivar, que a dar matéria. Nessa altura vemos os pontos positivos de cada um e há maior tolerância", refere o docente.

O professor nota que o ensino regular não é comparável com o PIEF. "Os critérios de avaliação são diferentes. Valorizamos competências a nível de atitudes, de valores", salienta Rui Bulha. "A motivação para a escola é quase igual. A diferença é que no ensino regular os pais ainda têm poder sobre eles. Os que estão aqui, em períodos, os pais não o tiveram. Às vezes o maior trabalho é com os pais", acrescenta Marisa Borrego, a psicóloga, disponível dois dias por semana.

(Reportagem completa na edição papel)



Autor
Ana Ribeiro Rodrigues

Categoria
Secções Centrais

Palavras-Chave
Escola / PIEF / turma / ensino / idade / Paulo / regular / Ministério / Social / alunos

Entidades
Paulo / Deixava-me / Segurança Social / Rui Bulha / Marisa Borrego

Artigo Preservado pelo Arquivo.pt
→ Ver Original

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