Tem nas mãos, dar uma alegria ao povo, ao povo que sempre acreditou no cidadão Aníbal Cavaco Silva.
Senhor Presidente,
Permita-me esta forma epistolar, para me dirigir ao mais alto magistrado da Nação, na base do apreço pelo seu patriotismo e pela sua qualidade de estadista.
A hora que o país atravessa, solicita o diálogo directo, que rompa o campo dos silêncios, indiferenças e factos consumados, em que está transformada a vida política nacional. A meu ver, num verdadeiro impasse e com défice de representação popular genuína.
A vida parlamentar, não recupera popularidade e prestígio, enquanto a representação uninominal estiver ausente ou não haja um Senado que exprima a complementaridade de interesses que compõem o rosto político, social e territorial do nosso país.
A comunicação social esgota a agenda numa cadeia infernal de reciclagem quotidiana, não oferecendo lugar ao debate e à reflexão, que dure o tempo necessário ao esclarecimento.
Os poderes locais, estão desvalorizados como estruturas políticas basilares de um Estado descentralizado, reconduzidos à mera componente administrativa.
A chamada sociedade civil, encontra-se numa anemia letárgica, mais própria de um país sem futuro.
Resta, deste modo, a comunicação sobre a forma de apelo directo, dirigida a quem recebeu do Povo a legitimação unipessoal libérrima, para com ele estabelecer a interlocução de derradeiro recurso.
Venho, pois, Sr. Presidente, falar-lhe de Portugal, de portuguesas e portugueses. De território e de pátria. De amor à terra e de patriotismo. De racionalidade na Administração.
O Parlamento decidiu extinguir freguesias enquanto entidades políticas e administrativas.
Parece que o contrato celebrado com os nossos financiadores internacionais, assim o determinou.
Um bom princípio, para começo de conversa, é o de declarar que os contratos devem ser cumpridos. Sou, na minha vida, pelo velho brocardo latino do pacta sunt servanda.
Mas, mesmo neste pressuposto, não se percebe e não tem base de explicação séria, nem ainda encontrei quem me convencesse, sobre como é que a agregação/extinção de freguesias rurais, dará a credores e financiadores, no cumprimento deste item do contrato, o suplemento de garantia, quanto ao renascer da economia portuguesa, à poupança de recursos ou ao reequilíbrio da dimensão do Estado.
Às frágeis razões trazidas pelos autores desta "reforma", a meu ver inadequada perante os fundamentos que se invocam, opõe-se a história de um país, dilacerado pela perspectiva de extinção das suas freguesias rurais, com as quais o Povo se identifica, de tal modo que grassa a revolta no mais humilde cidadão, perante a incompreensão e ausência de justificação desta lei.
A freguesia rural, Sr. Presidente, como bem sabe, depois do nome vindo do berço e da família, é o nome da dimensão mais próxima de pertença colectiva de cada cidadão, na identificação das raízes mais permanentes de que somos portadores..
"Sou da freguesia tal, nasci na freguesia de…"
O rosto desta identificação vem do próprio acto fundacional da Nação, onde as comunidades se afirmaram no nascimento da nacionalidade.
Acresce que, quarenta anos de democracia local, reconduziram as freguesias rurais a um papel insubstituível, na prestação de serviços de natureza diversa aos cidadãos, para além dessa verdadeira escola de democracia, em que se transformou o exercício quotidiano nos seus órgãos locais.
Mas, diz o Governo, há freguesias rurais que não têm dimensão. E diz bem. Como há municípios que não têm dimensão que justifique a sua existência e, destes, o governo não cuidou. Mas a questão da expressão política, destes e daquelas, essa, não depende da dimensão. E a sua integração para uma administração moderna também não depende desse facto.
Convém referir que Portugal, estabeleceu-se territorialmente com este figurino e não com outro. Pequenas comunidades e não macro agregações demográficas, como na nossa vizinha Espanha.
Isso mesmo, já dizia Vitorino Magalhães Godinho, na análise às raízes da nossa geopolítica territorial.
Acresce ainda que, as comunidades rurais na sua consciência colectiva secular, mais reforçaram esta realidade, quando passaram a eleger os seus representantes no exercício da democracia de base electiva.
Dirá o governo, sim, mas hoje é preciso dimensão, integração administrativa, escala para os tempos que correm, pois o mundo está diferente, as novas tecnologias e a comunicação instantânea, tudo mudaram.
É certo, mas a conciliação dos pressupostos de representação electiva popular das comunidades, com as preocupações de gestão da coisa pública, buscando economia de recursos, era e é possível.
Bastava para isso, que se redefinissem na lei, universos de associações de freguesias com mínimos de eleitores que, por lei, fossem "obrigados" a auto-governarem os seus territórios em conjunto, colectivamente, pelos eleitos associados.
Aliás, é disso que trata, oriundo do mesmo governo, a nova proposta de lei das comunidades intermunicipais. Se o modelo serve para os municípios, como compreender que não seja passível de aplicação às freguesias?
Neste equívoco de política para o território, não se dão conta os autores desta absurda iniciativa pseudo-reformadora que, seguindo esta proposta de gestão conjunta das freguesias, integradas em universos mínimos para a gestão administrativa conjunta, ainda obteria maiores escalas e economias, do que se vai conseguir com a presente lei. Teríamos menor número de unidades administrativas conjuntas de freguesias, do que se vai obter com a presente lei, em fase de promulgação.
Por isso, Senhor Presidente, há aqui razões de racionalidade política na gestão deste sector do Estado, que facilmente se impõem.
Mas outras razões se podem aduzir cuja relevância não é dispicienda.
Existe uma espécie de prática consuetudinária na vida constitucional e legislativa em democracia, qual seja a de não alterar as regras do jogo democrático, em pleno período de aproximação… ao próprio jogo.
Esta verdadeira violação de princípios básicos de jurisprudência, plenamente consagrados na ordem jurídica, irá acontecer se, nas presentes circunstâncias, esta lei das freguesias for promulgada.
Estamos praticamente em período eleitoral, faltam poucos meses e ainda não se concluiu o processo eleitoral com a promulgação.
Há um tempo necessário para as comunidades se adaptarem e seria de uma total irresponsabilidade, que uma lei tão constitucionalmente relevante, tivesse este percurso: aprovada no primeiro trimestre de 2013, para aplicação em eleições no terceiro trimestre.
A aplicação desta lei no tempo, atenta a sua repercussão para uma mudança tão profunda, não pode, nem deve fazer-se para as próximas eleições.
Esta uma razão que, só por si, justifica a não promulgação, ou a entrada em vigor depois das próximas eleições.
Senhor Presidente,
Tem nas mãos, dar uma alegria ao povo, ao povo que sempre acreditou no cidadão Aníbal Cavaco Silva., como fiel intérprete das raízes mais genuínas do Portugal profundo.
Pode estar certo que é de justiça que falamos, quando falamos de não promulgação desta lei, evitando-se um atentado às comunidades locais organizadas e aos interesses do povo, num momento tão difícil da nossa vida colectiva.
Se assim se decidir, pode ter a certeza que a alegria sairá para as ruas, nas praças, aldeias, vilas e cidades do nosso país.
E o povo, verdadeiramente exausto, pelos sacrifícios que estão a ser exigidos, bem merece um momento assim, saudando o pleno exercício das prerrogativas constitucionais do Senhor Presidente na base do próprio mandato político, que lhe foi reiterado.
Basta para isso a lucidez e a coragem de exercício do veto político.
Portugal ficará melhor sem esta lei.
Com estima e elevado apreço.
Autor
Carlos Pinto
Categoria
Opinião
Palavras-Chave
freguesias / lei / Presidente / povo / comunidades / Permita-me / República / dimensão / país / vida
Entidades
Aníbal Cavaco Silva Senhor Presidente / Sr. Presidente / Vitorino Magalhães Godinho / Dirá / Senhor Presidente
Artigo Preservado pelo Arquivo.pt
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