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Erada comemora 50 anos da nova igreja

2013-01-23

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A paróquia da Erada comemora no próximo domingo, 27, o Cinquentenário da construção da nova Igreja Paroquial. O Padre António Gonçalves, grande mentor e impulsionador da obra, recorda a necessidade do edifício.

O Padre António Gonçalves nasceu na freguesia do Barco (onde foi baptizado), no dia 7/5/1924. Fez o seu percurso nos Seminários Diocesanos da Guarda entre 1938 e 1950, ano em que seria ordenado diácono e Sacerdote pelo Bispo D. José Alves Matoso. Em Agosto de 1950 é nomeado pároco da Erada, e entre 1986 e 1990 administrador paroquial na Paróquia de Sobral de S. Miguel. Em 2008 é dispensado de todo o trabalho pastoral. Actualmente ainda coopera activamente com a Paróquia da Erada e presta auxílio pastoral na paróquia da Teixeira.

Quem é o Padre António Gonçalves?
Pe. António Gonçalves - Um homem normal, que nasceu e cresceu no Barco. Sou o mais velho dos quatro irmãos que, infelizmente, já todos faleceram. E nascido duma modesta família de trabalhadores agrícolas, de sãos costumes e muito agarrados ao trabalho, e muito empenhados na educação dos filhos. Eu e os meus irmãos recebemos deles uma sólida educação de valores sérios para a vida. E eu, naturalmente, que herdei de ambos alguns dos seus defeitos e qualidades.

Qual o seu percurso pastoral e quais os grandes desafios com que se deparou enquanto pároco?
Naturalmente, que a minha primeira e grande preocupação pastoral foi, desde logo, começar a preparar a comunidade, para a construção da nova Igreja. Foi este o grande desafio que me pôs à prova e que, ao princípio, nem custou nada, porque toda a gente via bem a grande necessidade de se substituir a velha Igreja a ameaçar ruina.
Ao princípio, é geralmente tudo muito fácil e muito bonito. Toda a gente aplaude. E aí de nós se nos deixarmos embalar por esse clima de facilidade e de festa, sobretudo, quando em vez de dinheiro, se encontram dívidas e uma casa paroquial por acabar. O pior, portanto, está na continuação das obras e conseguir terminá-las. Tive essa experiência em todas as obras que iniciei e sem dúvida, que é necessário dar muita formação a todos os níveis, àqueles que connosco trabalham, sobretudo, em meios de pouca cultura.

Ao assumir a paroquialidade nesta comunidade e da sua anexa Trigais, qual a realidade que encontrou, tanto a nível religioso, político e social?
Tanto esta comunidade de Erada, como a sua anexa de Trigais, eram comunidades, tradicionalmente religiosas, respeitadoras da Igreja e dos seus pastores e podemos mesmo dizer que as suas gentes eram de sãos costumes.
Nos Trigais, praticamente, a política não interessava a ninguém. Na Erada, porém, já havia quem discutisse assuntos sociais e políticos, sobretudo, os que trabalhavam na fábrica de Unhais da Serra, que nessa altura, seriam uma centena ou mais. O nível cultural e educativo era bastante diminuto. Mesmo na Erada, os mais cultos, não passavam da 4ª classe antiga.

O que mais o marcou na sua vida de Pároco?
Aquilo que mais me marcou na vida de Pároco foi que em coisas que Deus e da Igreja ou se trabalha, unicamente, por amor de Deus e da comunidade e só de Deus se espera a sua justa recompensa; ou então sofre-se uma profunda desilusão que pode levar-nos ao desânimo e à desistência.

Sei que deixou uma grande obra social. Quais os desafios com que se deparou a nível social?
A ideia de me lançar na área social nasceu por mero acaso. Soube que o doutor Baltazar, médico de obstetrícia, vinha todas as semanas da Covilhã à Junta do Ourondinho, dar consulta às grávidas. Como o Ourondinho pertence à Paróquia das Cortes, combinei com o padre Luiz Raposo, meu especial amigo, irmos juntos à Covilhã para resolvermos o referido médico, a dar essa consulta na Erada e Cortes em vez de ir ao Ourondinho, onde havia muito pouca gente. Ele aceitou o nosso pedido e as grávidas da Erada e das Cortes passam a ter assistência médica todas as semanas. Dei um breve arranjo ao Salão da Casa Paroquial, onde funcionava o ensino da catequese, que passou agora também a servir de posto médico, para as grávidas. E eu, sem o pensar, estava lançado na área social. A partir daí, quando alguma grávida entrava em trabalho de parto, telefonava-se para a Maternidade da Covilhã e uma parteira deslocava-se aqui a qualquer hora do dia ou da noite, para assistir as parturientes. Mas o pior estava para vir, e veio quando menos esperava. É que na Erada, havia apenas dois telefones: o público e o do Pároco. Mas o senhor do comércio onde estava instalado o telefone público, já aborrecido e incomodado por ser tantas vezes perturbado de noite, para chamar a parteira, negou-se a fazer esse serviço. Nesse tempo nasciam, por ano, uma média de 50 crianças. Mais uma vez vêm ter comigo para resolver esse problema. A partir de então, sou eu o "incomodado", muitas vezes de noite, para prestar mais esse serviço. Depois parte do Povo começa a reclamar dizendo: " As grávidas têm médico e parteira e os operários da Fábrica também, só para nós, que somos a maioria, o padre não olha". Lá tive que convocar algumas reuniões com os reclamantes e juntamente com eles organizarmos assistência medica para todos. Resolveu-se que cada família pagava 5 escudos por mês e com a soma desse dinheiro contratei um médico para vir uma vez por semana a dar consulta a todos. Depois a construção da Igreja e sentindo que havia grande necessidade dum consultório médico feito nas devidas condições, resolvi lançar-me na construção dum edifício novo, em condições de se prestar uma assistência social mais alargada: médica, cultural, recreativa e religiosa. Portanto, uma assistência mais abrangente, desde as crianças até aos idosos. E surgiu a Obra Social que hoje temos com o nome "Centro Paroquial de Assistência e Formação Social de Erada".

A comunidade Paroquial da Erada está a celebrar os 50 anos da construção da nova Igreja. Sei que foi o grande mentor dessa demanda. Como encarou esse desafio há 50 anos atrás?
Com grande vontade de tudo fazer para a construir. Não só porque toda a gente me apoiava, mas porque eu próprio via urgência da sua construção.

Porque surgiu a necessidade da construção da nova Igreja?
-Porque se via perfeitamente que o desnivelamento das paredes laterais era tal que já não mantinham a sua posição vertical e que, portanto, dum momento para o outro, todo o telhado do corpo da Igreja poderia desabar, provocando uma grande tragédia. Foi o que realmente aconteceu dois meses e meio antes da inauguração do novo templo. Só não aconteceu porque nesse momento não havia ninguém na Igreja e eu tinha-me ausentado para Castelo Branco para fazer um casamento, onde passei o dia.

Quais as grandes dificuldades e obstáculos desde o "Vamos construir a nova Igreja", até à concretização da obra?

A maior dificuldade, como atrás referi, foi ter encontrado uma Igreja endividada e sem quaisquer fundos. Eu não me resolvi a iniciar as obras da Nova Igreja sem primeiro ter uma soma razoável de dinheiro e para o conseguir passaram mais de 4 anos. Pediram-se esmolas, tudo fizemos para que os saldos das festas aumentassem. Experimentámos várias iniciativas sendo uma delas os cortejos de ofertas, feito por bairros e que dinamizamos de forma a criar-se um "entusiasmo bairrista" que levasse cada bairro a não ficar atrás do outro, em generosidade. E de facto a ideia surtiu efeito. Conseguimos, realmente, os objectivos que desejávamos. O pior é que o povo quando dá e muita vez, cansa-se de dar. E quando não vê obra feita, revolta-se e diz que não deve e ataca duramente quem o não merece. O pároco e a comissão que o acompanha são quem mais apanha por tabela e muitos não se aguentam com as criticas insolentes que ouvem e desistem. O pároco vai ficando só.
Valeu-me, nessa altura, ter já formado na fé e mentalizado no fiel serviço à Igreja, um grupo razoável de pessoas que me apoiaram, mesmo sem pertencerem à comissão. Foi este, na verdade, o maior problema que enfrentei e o pior obstáculo que, felizmente, ultrapassei. Mas não foi em vão que se sofreu

O dia 27 de Janeiro de 1963 terá ficado sempre na sua memória. Como viveu esse dia?
Com surpreendente alegria, que era ao mesmo tempo, um misto de satisfação e de desconfiança de que as preocupações não haviam terminado ainda. Como de facto aconteceu, porque poucos anos depois iniciamos a construção do Centro Paroquial de assistência, cuja assistência médica já funcionava no Salão da Casa Paroquial, com deficientes condições de instalação.

Esteve como pároco desta comunidade até 2008. Olhando para trás, como recorda esses 58 anos de paroquialidade?

Com espanto e tranquilidade. Com espanto porque ainda hoje me interrogo a mim mesmo como foi possível ultrapassar tantas dificuldades e problemas que aconteceram. E cada vez mais me convenço mais que por trás de tudo isto esteve sempre "a mão de Deus" a servir-me de amparo; também com tranquilidade, porque fiz sempre o melhor que pude para bem servir à comunidade, sem virar a cara às dificuldades. E que valeu a pena ter vivido a vida como vivi, mesmo com as deficiências e erros que cometi, porque muito se aprende com eles.

Qual a análise faz da realidade actual da nossa comunidade?

Diria que é totalmente diferente em muita coisa, sobretudo na maneira de pensar e de viver. Mas também vejo que dum modo geral as raízes cristãs deste povo ainda se conservam.

Que mensagem gostaria de deixar à comunidade com quem partilhou toda a sua vida?
Deixo aquela mensagem de esperança de S. Paulo: "Se Cristo está comigo, quem poderá meter-me medo".



Autor
Rui Manique

Categoria
Secções Religião

Palavras-Chave
igreja / Erada / Paroquial / pároco / comunidade / social / paróquia / construção / assistência / Gonçalves

Entidades
Padre António Gonçalves / Sacerdote / Bispo D. José Alves Matoso / António Gonçalves / Deus

Artigo Preservado pelo Arquivo.pt
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