Entrevista do actor Ruy de Carvalho ao NC.
Nasceu em Lisboa. Em que circunstâncias veio morar para a Covilhã?
Nasci em Lisboa e fui viver dois anos para Luanda. Voltei com perto de cinco e fui parar a Évora e de Évora vim para aqui. O meu pai era oficial do exército, daí esta circulação toda. O meu pai era militar, vinha trabalhar, eu vinha com o meu pai e a minha mãe com a mala às costas.
Que recordações guarda da Covilhã desse tempo?
Era uma Covilhã mais pequenina, muito mais íntima. A minha mãe deixou aqui um bom rasto de cultura. Ela era pianista-concertista, trabalhou muito com o maestro Lança - o que dirigia a Banda Militar - e com o grupo coral - havia aqui um orfeão muito bom dirigido por esse senhor Lança, com sede na Rua Direita. A minha mãe dava concertos normalmente, lembro-me perfeitamente.
Em que sala?
Havia um salão, que não me lembro onde é, mas era muito bonito, ali para o lado do Sporting. Havia aqui coisas muito boas. Havia o Chiado, houve a sapataria Atlas, com o mesmo nome da famosa que existia em Lisboa. Havia aqui coisas maravilhosas, gente muito boa, comida muito boa. Quando cá venho mato saudades. Parece que saí daqui ontem e já saí há 75 anos.
Viveu cá com que idade?
Fiz a instrução primária na Covilhã. Cheguei com cinco anos e meio, perto de seis, e fui embora quando tinha perto de 11.
Foi colega de carteira de António Alçada Batista. Mantiveram essa ligação ao longo da vida?
Mantivemos. Tive vários programas em que ele ia lá ter comigo.
Como eram esses tempos de escola primária. Era onde?
Era nas francesas, uma escola que havia por trás da hoje câmara municipal. Era ao cimo da subida da Farmácia Parente. Antes havia mais miudagem na escola, faziam-se muitos mais filhos em Portugal.
Ouvi-o dizer que se lembra de ir aos jogos de futebol.
Ia ver o Benfica e Castelo Branco perder por três com o Sporting da Covilhã.
Era adepto do Sporting da Covilhã?
Não, era do Castelo Branco, porque tem Benfica no nome e eu sou Benfica, mas vinha cá perder. Ia ver os jogos ao campo de futebol do Sporting, lá em cima, que era o único campo de futebol que havia aqui. Havia também o Covilhanense, que era igual ao Belenenses… Aqui para baixo não havia nada, até à Estação era um deserto, a miudagem vinha para aqui aos figos.
Como ocupava o seu tempo nessa altura?
Fiz a instrução primária e via cinema da varanda da minha casa. Eu morava no Pelourinho e havia cinema ao ar livre no Pelourinho, havia uma esplanada no teatro e foi lá dentro que comecei a ver cinema. Também foi na Covilhã que representei pela primeira vez.
Como é que aconteceu?
Fui convidado pela dona Domitília Anaquim para uma festa de caridade de uma instituição que dirigia e se chamava Florzinhas da Rua, hoje Casa do Menino Jesus. Foi aí que me estreei, no teatro antigo da Covilhã, com uma personagem de ardina na Carochinha, que vendia o jornal O Mosquito.
Para além dessa chegou a ter outras experiências?
Depois vim cá várias vezes representar como actor.
"Venho com uma certa regularidade à Covilhã"
Quando foi embora esteve quanto tempo sem regressar à Covilhã?
Na primeira vez estive 12 anos sem cá vir, mas tenho voltado todos os anos. O meu filho até tem casa aqui, em Caria. Venho com uma certa regularidade à Covilhã.
Como olha para a Covilhã actual?
É uma terra com qualidade de vida. Tem universidade, tem escolas, tem animação, tem gente que vive a vida, o que é muito bom. Antigamente havia muitas fábricas de lanifícios, mas de vez em quando também havia fogos. Os bombeiros da Covilhã eram famosos. Há um carro, no quartel, que era o que antes passava no Pelourinho a tocar.
Mantém amizades desses tempos da Covilhã?
Mantenho. E quando vou ver o jornal vejo sempre a página dos que morrem, porque às vezes aparecem alguns que eu conheço.
A casa onde residiu é o edifício mais antigo do Pelourinho e está agora a ser recuperado. Já teve a curiosidade de lá voltar?
Nunca mais lá entrei. Por baixo havia uma pastelaria famosa, o Paco, que tinha o bom bocado, uma espécie de pastel de nata, mas com massa rija.
É estranho olhar para o Pelourinho actual?
Está muito diferente, adaptado à época, com parques subterrâneos. Está todo aproveitado. Eu sou do tempo em que os táxis estavam na rua, ao lado da fonte, ao pé do café. Havia um chafariz lindo, havia coretos bonitos no jardim de São Francisco, onde a Banda Militar tocava todas as quintas e domingos. Ia fazer acampamentos com o meu pai para a Nave. As tropas iam para lá a pé e depois ficavam lá acampadas, eu ia com o meu pai atrás. Recordo-me de coisas muito agradáveis na Covilhã.
Veio falar sobre envelhecimento activo. Considera-se um exemplo nessa matéria?
Tenho 86 anos, sou mais velho que muitos deles. Não nos devemos entregar à doença. A morte é certa, mas temos vida, e enquanto a tivermos, temos de combater por ela. No dia que está marcado a gente vai. Foi isso que lhes vim dizer.
O livro que lançou recentemente faz parte dessa filosofia?
Foi uma forma de falar com a minha mulher. É sobre a minha vida com a minha mulher e sobre a minha vida profissional.
Autor
Ana Ribeiro Rodrigues
Palavras-Chave
Covilhã / havia / Lisboa / Pelourinho / Entrevista / Ruy / Carvalho / Nasceu / Sporting / vida
Entidades
Ruy de Carvalho / Lança / Atlas / António Alçada Batista / Domitília Anaquim
Artigo Preservado pelo Arquivo.pt
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